Uma aula de fotojornalismo

Estou lendo um livro sensacional: “Get the Picture: una storia personale del fotogiornalismo”, um relato do John G. Morris um dos mais importantes editores de fotografia. Foi editor da Life, durante a segunda guerra mundial, do Ladie’s Home Journal, onde teve a idéia de criar uma série “Um dia em família”que interessou muito o Edward Steichen e acabou dando origem a fantástica exposição no Moma “The Family of Man”nos anos 50. Em seguida ele foi  diretor da Magnum, trabalhou para o Washington Post e editor do New York Times. Desde 1983 vive em Paris. O livro é delicioso pois conta de forma informal de como é editar um jornal, suas relações com os fotógrafos e acima de tudo nos narra os bastidores do fotojornalismo. Um livro seminal que espero seja logo traduzido para o português! De qualquer forma também pode ser encontrado em língua inglesa:”Get a Picture; a personal history” . Na capa uma
foto do James Nachtwey , na minha opinão, o melhor fotojornalista do mundo, em ação em 1994. Uma leitura imperdível!

Como ler uma imagem: a fotografia contemporânea e suas problemáticas

Este texto saiu em agosto na revista Fotografia.

Leia e comente!

Analisar uma imagem é muito mais do que simplesmente reconhecer seu traço primeiro. É preciso entender as estéticas fotográficas.

Vou partir de um conceito – dentre os muitos possíveis – de que a fotografia antes de mais nada pertence a esfera da comunicação e não da arte. Está na sua ontologia, no seu DNA, na intencionalidade de quem a inventou.

Qual a função da imagem fotográfica. Partimos de uma premissa explicitada por Andre Rouillé: “fotografias não documentam objetos ou pessoas, mas documentam situações e representações”. Devemos portanto compreender a criação fotográfica dentro de um contexto sócio-histórico.

Há tempos a semiótica já nos ajudou a compreender que a significação das mensagens fotográficas é culturalmente determinada e sua recepção necessita de códigos de leitura.

Neste caminho contarei com a ajuda de autores como Umberto Eco (Os limites da Interpretação); Laurent Gervereau (Histoire Du visuel ao XX si`ecle) ;Lorenzo Vilches (La Lectura de la Imagen); Mrtine Joly ( A Imagem e sua Interpretação); Giuseppe Mininni (Psicologia Cultural da Mídia); Oliver Sacks ( O olhar da Mente); Ian Jefrrey (How to Read a Photography; Alberto Manguel (Lendo Imagens); Luciano Trigo (A Grande Feira) e Charlotte Cotton (A fotografia como arte contemporânea).

Diz Martine Joly: “como existem diversos tipos de imagens, existem inevitavelmente diversos tipos de interpretações. Nenhuma mensagem, seja ela qual for, pode se arrogar uma interpretação inequívoca”.

Mesmo assim devemos também lembrar (Umberto Eco) que a interpretação de uma obra não é ilimitada, existem regras de funcionamento.

Inegável também que muitas vezes somos reféns de nossos próprios olhos e de nosso referencial teórico e repertório cultural. Muitas vezes antes de interpretar uma imagem eu já criei um significado. Claro que isso não significa que ele permanece imutável. Mais uma vez recorremos a Joly: “em que medida nossa interpretação está já em parte construída, antes mesmo de termos acesso às mensagens visuais em concreto?”

Interpretar é conferir sentido. O contexto sócio-histórico de alguma maneira já nos “condiciona”a uma determinada interpretação: “o reconhecimento de representações pode requerer uma espécie de aprendizado, a compreensão de um código ou convenção além daqueles necessários para compreender os objetos”, relata Oliver Sacks.

A grande dificuldade que temos é afirmar categoricamente qual linha devemos seguir para interpretar as mensagens visuais. Martine Joly nos apresenta esta multiplicidade: conhecimento (formas que o homem dispões para se conhecer e conhecer seu ambiente); percepção (teoria da revelação do mundo); recepção (teoria da recepção das obras); leitura (semiologia/semiótica) e interpretação (os limites): “durantes anos privilegiou-se o autor, em seguida  a obra para terminarmos com o espectador. Todos estes conceitos, na verdade, podem ser resumidos num único: ler imagem e atribuir significados. Interpretar é criar um ritmo, uma leitura Possível, atribuir sentido e significado para aquilo que foi construído imageticamente.

Lembramos o que já sabemos: o caráter ambíguo da fotografia. Seguindo as linhas Teóricas da semiótica e pensando na fotografia como vestígio do real (portanto indiciária) ela afirma a existência, mas por ser representação ela sempre uma ficção.

Aqui quem nos ajuda é o Alberto Manguel: “…a existência passa em um rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens capturadas pela visão e realçadas ou moderadas pelos outros sentidos, imagens cujos significados (ou suposição de significados) varia constantemente configurando uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e das palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e compreender nossa existência”. Portanto estamos na área dos símbolos, sinais, mensagens, alegorias: “a imagem da origem a uma história que por sua vez dá origem a uma imagem”. Mudanças de pontos de vista, mudanças de interpretações.

A partir destas premissas tentamos compreender a construção da fotografia contemporânea e suas problemáticas.  Começamos com uma frase do pintor Kandisky e que também inicia o livro de Luciano Trigo “A grande Feira”: “Cada época cria uma arte que lhe é própria e que nunca renascerá”. Parece que a arte própria da nossa época é aquela conseguida por meio da imagem fotográfica. A fotografia está na moda: todos falam sobre fotografia, festivais se sucedem pelo Brasil, cursos acadêmicos abrem sucessivamente no Brasil todo, fotografias estão sendo o tempo todo mostradas para nós. Mesmo assim parece que ainda existe um vácuo, um grande vazio sobre o pensar fotografia. Discussões giram sempre em torno de clichês do tipo : “hoje todo mundo fotografa”, “hoje qualquer um é fotografo”. Ora isso acontece desde a invenção da fotografia. Não é nenhuma novidade. A novidade é que fala-se mais sobre isso.  E daí que todo mundo fotografa? Alguém ficaria triste se todo mundo fosse alfabetizado? Soubesse ler e escrever? Qual é o problema? Reserva de mercado? Esquece-se que quanto mais as pessoas fotografarem maior será sua capacidade de alfabetização visual, de saber compreender a dificuldade em fazer uma imagem. Nem todo mundo que sabe ler e escrever é Machado de Assis.  O que deveriam dizer os cineastas então, quando agora qualquer fotografo acha que pode fazer um vídeo? Um filme? E muitos de péssima qualidade sem a menos linguagem cinematográfica? Sim, fotografa-se muito hoje, mas nunca se viu tão pouco.

O que estamos vendo? Qual o papel da fotografia?  Construções artísticas (no sentido mais amplo desta palavra) ou atendimento a um mercado das galerias. Como ler e interpretar um imagem hoje? Ainda nos referenciando ao livro do Luciano Trigo, lemos logo nas primeiras páginas: “o sonho que qualquer jovem artista é ser absorvido pelo sistema, ter conotação internacional, expor nas galerias e museus da moda aparecer na mídia”. E é isso que vemos hoje, curadores e professores referenciando obras que ele mesmo cultivam, criadores de fogos de artifício. Sempre as mesmas pessoas nos mesmos lugares, um ou dois no máximo curadores da moda que nos obrigam a ver sempre as mesmas obras das mesmas pessoas.

Por outro lado é bem verdade que nunca se falou tanto sobre fotografia. Diz Charlotte Cotton: estamos vivendo um momento excepcional para a fotografia, pois hoje o mundo da arte a acolhe como nunca o fez e os fotógrafos consideram as galerias e os livros de arte o espaço natural para expor seu trabalho”.

Repetimos a pergunta, o que estamos vendo? “A percepção não se separa da compreensão. Todo ato de ver implica em saber o que se vê”, ensina Lorenzo Vilches. Portanto embora uma imagem possa remeter ao visível, tomar alguns traços emprestados do visual, sempre depende da produção de um sujeito. Lê-la não é tão natural como parece: Ö fato de o homem ter produzido imagens no mundo inteiro, desde a pré-história até nossos dias, faz com que acreditemos sermos capazes de reconhecer uma imagem figurativa em qualquer contexto histórico e cultural. No entanto deduzir que a leitura da imagem é universal revela confusão e desconhecimento”(Martine Joly).

Ler uma imagem da contemporaneidade é tentar compreender a demanda de produção, a falta de  substância ou espessura por trás de uma imagem ou que leva muitos criticos a criarem definições como estética inexpressivanascida na verdade nos anos 50 na escola alemã; ou “imagens de alguma coisa”, fotografias que nascem do mero encontro casual; ou a “fotografia de conseqüência”, a que se liga mais ao documental., fotógrafos que desconstroem o fotojornalimo, fotografando temas ligados à imprensa mas com um olhar artístico”.

Ler uma imagem contemporânea é compreender que ninguém quer mais ser fotografo hoje em dia, todos querem e se autodenominam artistas. Mas ao mesmo tempo que procuram criar novas estéticas, a fotografia – sempre independente – se transforma hoje pela mão destes artistas”na imagem do banal, banalidade, um “fotografia sem qualidade”, como afirma Dominique Baqué fazendo referencia ao livro de Musil “Um homem sem qualidade”.  A arte do banal. A fotografia volta  a ser a arte de expressão de massa por excelência.

Os encontros da fotografia em Arles

Passei 9 dias em Arles acompanhando a edição deste ano dos “Les Rencontres d’Arles Photographie”. Foi muito bom. Vi muitas exposições, participei de quase todas as palestras e segui com atenção redobrada o seminário do ano: “Fotografia: colecionar, expor, ensinar”. O tema do ano  “Du lourd et du Piquant”, teve como símbolo um rinocerente rosa choque: nas exposições (centradas a maioria em fotojornalismo) a questão de memória, identidade, reconhecimento. Os homenageados do ano: os argentinos que trouxeram lindas exposições. A melhor de todas porém, sem dúvida, foi a de um artista plástico que usa a fotografia Léon Ferrari. Genial! E imperdível!.

Na Europa, questões como arte e fotografia nem se colocaram – pelo menos não neste simpósio. Uma questãio para eles – e deveria ser também para nós – já ultrapassada. Mas discutiu-se muito  o fazer fotográfico, coleções de fotografia, fotografia e multimídia, transformação de visualidade.

Um dos embates mais legais foi sem dúvida entre a editora de fotografia da Time Magazine, Kira Pollack, uma garota empolgadíssima com as novas tecnologias e a vedete do momento o Ipad. Mostrou um vídeo promocional (diga-se de passagem, muito bom”!) da transformação da Time e falava de forma entusiasmada do novo jornalismo/fotojornalismo. Não convenceu os europeus que se mantém firmes em sua defesa da fotografia pura. Ouvi de um fotojornalista: “agora eles querem que sejamos cineastas. Não faço cinema, faço fotografia. Filmar com a câmara não nos interessa”.

Na noites de projeção, sem dúvida o destaque foi o trabalho “Blanco”, de Stefano de Luigi (falarei sobre este ensaio nos próximos post). Dos que eu assisti foi o único aplaudido após a projeção. De uma delicadez ímpar!.

O calor estava insuportável. Arles, cidade de pedra e, no verão, muito pouco verde – por isso mesmo tem ótimos vinhos e azeites – me fez refletir profundamente sobre como encaramos a fotografia aqui no Brasil.

No debate estratégias para entrar no mercado, quem brilhou foi o polêmico fotógrafo argentino (ele faz questão de ser definido assim) Marcos López que, diante da fala assumidamente comercial de Paolo Woods que defendia a universalidade da imagem e a importância de fazer o que as galerias querem retrucou -“não sou universal, sou argentino e fotografo problemas e questões argentinas. Estratégia comercial não combina com arte. Não entendo desta maneira o fazer fotográfico. Minha fotografia não é universal, é argentina”. Foi aplaudido.

Outro momento para mim impactante, foi na Arena, quando três curadores defenderam a escolha dos selecionados para o prêmio Revelação Luma. Havia já visto a exposição e achado absolutamente péssima. Mas meu espanto foi quando a Arena vaiou os curadores. De  tal forma que o diretor geral dos encontros pediu a palavra e pediu calma. Afinal o próprio público votaria, no melhor trabalho. Um dos curadores disse: “vocês estão errados”. Levou uma vaia maior e ouviu “o errado e completamente equivocado é você!”. 

Nos próximos post vou apresentar cada uma das exposições que eu achei mais interessante (desculpem, mas assim é) e falar um pouco também do seminário.

Voltei cheia de idéias, projetos, fiz contatos excelentes, conheci pessoas maravilhosas. Vi muita porcaria também….

Mas isso é um outro assunto.

 

Os varios tempos da fotografia

Segunda-feira, dia 17 de maio, tive a felicidade de participar de um bate papo sobre imagem, fotografia, visualidade, articidade, junto com o artista plástico Sergio Fingermann, o fotógrafo Marcelo Greco e uma platéia (com acento ou sem?) de mais ou menos 40 pessoas no Espaço Contraponto, na Vila Madalena.

O mote foi a exposição do Marcelo ” Tempos Misturados”. Um trabalho interessante, coeso que mostra um olhar fotográfico e uma busca imagética, do fazer, da construção da fotografia por parte do Marcelo. Um trabalho que supreende – no que esta palavra tem de bom – pela poética e pela forma, podemos dizer até despudorada como  as imagens se oferecem a quem tem interesse em olhar.

Durante duas horas e meia ficamos conversando, pensando a imagem. Tentando compreender seu papel neste momento, sem deixar de lado as críticas à superficialidade ruim com a qual hoje se apresentam trabalhos, muito em torno da área de eventos muito mais do que na área do afeto artístico.

A delicadeza com a qula Sérgio aborda a questão de articidade, de visualidade é emocionante. Coloca o artista  – em sentido lato – como um ser político e ético. Discutimos também o processo de construção de imagens, o momento no qual o artista sente que encontrou o caminho. Sérgio definiu muito bem: “fujam das armadilhas dos afetos e desconfiem daquilo que gostam”!.

Um papo como há muito não precensiava. Um bela noite, que pelo menos a mi, me encheu de vontades, de propostas e me vez pensar e repensaro que faz a imagem.

A exposiçaõ do Marcelo Greco vai até 5 de junho. Vale a pena ver.

O Espaço Contraponto fica na Rua Medeiros de Albuquerque, 55 – Vila Madalena.

Arte Plural cria grupos de estudo sobre edição e história da fotografia

Já estão abertas as inscrições para os Grupos de Estudo de “Edição” e de “História da Fotografia”, que terão a orientação da jornalista e crítica de fotografia Simonetta Persichetti, na Arte Plural Galeria. Os encontros serão realizados uma vez por mês, a partir de abril.

 O grupo de Edição de Fotografia vai abordar, em aulas práticas e teóricas, formas criativas e eficientes de editar uma imagem. Dentro do programa, o aluno irá aprender técnicas de como criar ritmo de leitura para uma publicação ou portfólio; saber como determinada fotografia pode ser aproveitada por programas de edição ou não; se acostumar com as diversas possibilidades de compreensão de um ensaio e escolher entre um trabalho ilustrativo e outro comunicativo. Os encontros serão nos dias 12 de abril, 10 de maio e 14 de junho, das 19h às 23h. 

Já o grupo de História da Fotografia visa a compreender a transformação dos códigos e de visualidade a partir da invenção da foto. Através de vídeos e projeções de imagens, serão estudados os principais movimentos e o surgimento da linguagem fotográfica, além de abordar um pouco da biografia dos principais profissionais na área. Os encontros serão nos dias 9 de agosto, 13 de setembro, 18 de outubro e 8 de novembro, das 19h às 22h.  

Os interessados devem correr, pois as vagas são limitadas.

O custo por participante é de R$ 350, em cada grupo, com 15% de desconto para associados da Fototech (apresentar a carteira de associado). O preço também será facilitado para quem se matricular em ambos os grupos, que sairão por R$ 300, cada. Ou em 3 vezes no cartão Visa

SERVIÇO:

Grupo de Edição de Fotográfica

Datas: 12/04, 10/05 e 14/06 – Horário: 19h às 23h. 

Grupo de História da Fotografia

Datas: 09/08, 13/09, 18/10 e 08/11 – Horário: 19h às 22h.

 Inscrição
Na Arte Plural Galeria – Rua da Moeda, 140, Bairro do Recife – Recife – PE;

Informações: (81) 3424.4431 – arteplural@artepluralgaleria.com.br

www.artepluralgaleria.com.br

Vermelho como Céu

vermelho-como-o-ceuO filme de Cristiano Bortone me emocionou muito e, é claro, me fez pensar sobre a questão da visualidade na fotografia. No imaginário, na imagem construída. Ontem à tarde revi este filme com meus alunos do Mestrado de Londrina e sua leitura também me fez repensar muitas coisas.  Mas principalmente na questão da memória. Nossa memória  histórica coincide com o tempo das imagens. Conhecemos e lembramos não daquilo que vimos, mas daquilo que assistimos, ou seja daquilo que nos tocou por meio da representação fotográfica ou do cinema. Como diz a psicóloga social Ecléa Bosi “A memória opera com grande liberdades, escolhendo acontecimentos no espaço e no tempo, não arbitrariamente mas porque se relacionam através de índices comuns. São configurações mais intensas quando sobre elas incide o brilho de um significado coletivo.” Ou ainda o filósofo Henry Bergson: “Não há percepção que não esteja impregnada de lembranças”. Ou seja nossas representações são concretização de uma imagem mental. No filme, um menino de dez anos que adora cinema fica cego depois de um acidente ao brincar com uma espingarda. A forma como ele supera o que lhe aconteceu é por meio das lembranças que permeiam sua vida e das alternativas para desenvolver os outros sentidos. É uma história veridica de Mirco Mencacci, hoje um dos mais conhecidos sonoplastas do cinema italiano. Mas o filme, para mim imperdível, nos desperta a atenção justamente para compreender como memória -que é sempre criação de um contexto, de uma circunstância, de uma narrativa – e, portanto, tão ficção quanto a imagem é moldada por nossos sentidos, cheiros, barulhos. sabores. Por isso algumas discussões que ainda hoje persistem ao redor da fotografia me parecem tão cansativas. Já são quase não questões. Estou falando em relação à ontologia da imagem fotográfica. A fotografia é o que é. Tem uma gramática própria, tem características próprias e o tempo todo procuramos definí-la ou enquadrá-la. Mesmo assim, não posso deixar depensá-la como representação ou tradução de um ato de mental, construída o tempo todo pelas relações que cada fotógrafo e espectador (que de certa forma lhe dá vida ao observá-la) lhe atribuí. Talvez devessemos começar a estudar muito mais o imaginário, a imaginação, a percepção de mundo, e formação de memória.  Temas que discuti no meu doutorado defendido em 2001 quando  estudei a estética da fotografia latino-americana.  Questões que quero retomar de forma mais intensa. E só para citar mais um teórico, agora Pierre Francastel que disse: “A verdadeira imagem não está na obra, mas na memória”.

A arte de ver além do olhar

É esta a frase que aparece no site do Ateliê da Imagem que comemora dez anos e  que se tornou referência no Rio de Janeiro quando pensamos em fotografia, em estudar imagem e em refletir seu papel na sociedade contemporânea. Desde 1999 o ateliê tem sido fiel à frase que o apresenta.  Por isso, não poderia ser de outra forma a comemoração: de segunda-feira dia 26 até quinta dia 29, no cine Glória, vai se realizar o 1º Fórum de Imagens Técnicas: “Máquinas de Luz”, (veja programação completa aqui). 

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O projeto propõe discutir a cena atual e trará como convidados Cao Guimarães, Maria Iovino (Colômbia), Maurício Dias, Eduardo Brandão, Ivana Bentes, Muti Randolph, Maria Helena Franco Ferraz, Walter Carvalho, Daniela Labra, Claudia Buzzetti (Itália), Sergio Cohn, Frederico Coelho, Cezar Migliorin, Paola Barreto, Claudia Linhares Sanz e Pio Figueiroa/Cia de Foto. A idéia é um mergulho no mundo das imagens tecnológicas. Encontros, debates, projeções (que iniciaram na última sexta – leia aqui) e até uma oficina de sensibilização e criatividade fotógráfica para crianças e adolescentes. Um evento importante que se junta as mais variadas reflexões sobre a imagem no país todo por meio dos festivais e encontros de fotografia.

Nós simulacros das imagens

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N ão vou falar do trabalho da Loretta Lux em si, mas das reflexões que trabalhos como o dela me despertaram. Vou partir do trabalho dela, como citação, como pano de fundo para uma outra relfexão. O homem moderno, dizem, é o que procura inventar a si próprio. Mas e o homem pós-moderno?  Se vivemos como nunca a era dos simulacros, o homem pós-moderno é o homem que imita a si mesmo. O filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007) dizia que estávamos vivendo numa “alucinação estética da realidade”. Nas imagens isso se revertia num tom dramático com o qual elas se revestiam (a tecnologia do photoshop e sua palheta de cores ajuda muito nesta dramaticidade estética). Ou seja, muitas imagens são revestidas de uma estética hoje que, em muito, supera seu conteúdo. Ou temos imagens apoteóticas ou medíocres. Entra aqui também – como outro lado da moeda – a questão da ética (entendida aqui em senso lato). Ao consumirmos imagens – como já nos ensinou o filósofo Nelson Brissac Peixoto, muitas vezes eliminamos a experiência direta, e vivemos através do olhar do outro. Para citar outro estudioso que sigo com bastente frequência, Umberto Eco também nos ajuda a pensar quando afirma que “o valor estético da imagem retórica torna persuasiva a comunicação, quando mais não seja, porque a torna memorável”. Portanto quando percebemos que muitas imagens hoje – não importa de que âmbito – se parecem, é porque usam uma forma estética retórica que  procura nos convencer com mais eficácia de que aquela é a única forma de representar. Na sociedade pós-moderna (seja lá o que isso signifique) ou talvez dizendo na nossa contemporaneidade, a sociedade pela próprio tecnologia digital, reproduz mais do que produz. “Sequências de imagens queimam como muitos rojões, mas os fragmentos tomados um a um, têm pouco a oferecer”, diz Todd Gitlin em seu livro “Mídias sem Limite”.  Parece que as imagens conseguem dissolver nossas angústias. Somos nós que nos tornamos simulacros das imagens. Todas estas questões me vieram à mente depois de ter ouvido e visto as imagens de Loretta Lux. O de tentar compreender o que havia por trás daqueles rostos sem vida, porcelanizados, daquelas crianças a quem parecia lhe haviam sugado a alma (lembrei-me também do medo de algumas pessoas de terem sua alma roubada ao serem fotografados). Mas o que pensei é que na verdade cada imagem e um auto-retrato da própria autora (não pela sua biografia. Isso me parece muito simplista – todos nós somos fruto de nossa biografia.) um auto-retrato de um vazio que encontramos em muitas expressões contemporâneas, onde o processo vale mais que o conteúdo, seja ele qual for.    Imagens-sejam elas quais forem –  impressionam, a ilusão é subjugada.  O olhar frio, distante e impessoal, mais preocupada com a costrução precisa e o cálculo.   Loretta Lux parece ser um de seus próprios personagens quando fala, quando expõe. Ela é o personagem de todas as fotos.O que fica é o fato de parecer com. As imagens de Loretta Lux criam uma relação social entre as pessoas que passa a ser mediada pelas imagens, transformanto tudo em espetáculo. Muito bem calculado, por sinal. O mundo real se transforma em imagens e estas tornam-se reais. Numa sociedade que deixou de lado  teoria, tudo se torna muito especulativo. E talvez esteja aí a chave para o surgimento de uma banalização estética e imagética. As coisas reinam sozinhas, se desgatam e se recriam também sozinhas, como se não houvesse outro jeito de ser. Afinal são simulacros.

Desilusão, desilusão….

Confesso, fiquei muito mal e alguns minutos sem emitir opinião depois da palestra da Alessandra Sanguinetti. A primeira vez que tive contato com seus trabalho foi no livro “Mapas Abiertos” do Photo España, em 2002. De início percebi algo mais nas fotos, uma forma quase grotesca de retratar o feminino. Mas eram poucas fotos. Em seguida fui pesquisar seu trabalho e sua entrada na Magnum. Até aí tudo bem.

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Claro que a Magnum há tempos deixou de ser a lendária cooperativa de fotógrafos para se transformar cada vez mais em abrigo de fotografias de entretenimento, Mas isso é história para um outro post. Mesmo assim continuei muito curiosa em relação ao seu trabalho. Na entrevista ao Armando Prado e Claudio Edinger dutrante o Paraty em Foco, a desilusão foi brutal. Um trabalho de uma crueldade única, sem conteúdo que o sustentasse. Começa contando sua vida – mas parece que nem isso consegue fazer – não consegue conectar sujeito-verbo-predicado. Apresenta imagens , a Joana, (foto acima) pequena proprietária rural e como ela trata os animais criados na fazenda e depois consumidos pela família. Em seguia ela passa a contar a história de Melinda e Guilhermina, netas da Joana, mas que ela retrata com o mesmo olhar com o qual Joana olha para as galinhas, gansos, patos e porcos.

Alessandra Sanguinetti

Numa fala que não convence,cheia de caras e bocas, mãos nos olhos e trejeitos, ela tenta nos convencer da inocência das imagens. Mas são as própria imagens e vídeos que nos apresentam a forma cruel como ela retrata as meninas que muitas vezes dizem: “chega!”. Não existe coêrencia em seu discurso e em suas imagens. Estranho a Magnum tê-la colocada como uma de suas associadas, mas basta ver os últimos trabalhos da agência para perceber que – desculpem o trocadilho – o sonho acabou! Vídeos domésticos sem o menor tratamento conceitual, o acaso jogado como se nada fosse. Nada se sustentou. Repito, depois de sua apresentação, me perguntaram o que eu tinha achado. Não soube responder! Estava choque, me senti enganada! O que sobrou um vazio sem sustentação. Pena! Durante um tempo eu acreditei!

P.S. Publiquei as fotos que achei menos grotescas…