Encontro de coletivos

Começa hoje, na galeria Olido, em São Paulo, o “Encontro de Coletivos Fotográficos Ibero-Americanos”, com curadoria geral de Claudi Carreras e em São Paulo de Iatã Cannabrava. Contemporaneamente poderemos ver a exposição “Labirinto de Miradas”  Eu me inscrevi e pretendo participar das discussões. Não poderei estar presente em todas devido aos horários. Mas estarei lá.

Enquanto isso vou pensar um pouco neste fenômeno mundial dos coletivos que em grande parte me lembra o fenômeno acontecido há mais de 20 anos, quando começaram a pipocar pelo mundo várias agências fotográficas. Ok. Eu sei. Os coletivos não são necessariamente agências fotográficas e, é claro, que o momento é outro. Mas as justificativas ou explicações para este fato parecem ser as mesmas: a necessidade de se organizar, de poder se inserir num mercado lotado e uma forma de vencer as grandes agências internacionais. No Brasil especificamente, estas discussões eram muito presentes no final dos anos 70 e inicio da década de 1980, com o surgimento de várias agências mais ligadas ao fotojornalismo.

 

Calles de san salvador. El Salvador, 1992.

Coletivo Pandora – Espanha

As preocupações sem dúvida são outras. A estética também. Acho engraçado que em muitos sites e blog tenho visto a explicação do que é um coletivo tirada dos dicionários e usada como introdução ao discurso. O melhor disso tudo é a possibilidade de falarmos de forma aprofundada sobre este assunto, ouvindo, repensando posições, reafirmando outras.  

expolaberintodemiradascoletivoongvenezuela1

Coletivo ONGV – Venezuela

Outra questão que –acredito eu – será levantada nos debates é a da autoria. A linguagem digital e o tratamento de imagens como forma de pós-produção está na ordem do dia. O trabalho da equipe. Me pergunto, porém, se era diferente quando você passava às vezes dias ao lado do laboratorista discutindo a ampliação de uma imagem, os contrastes, os cortes, etc., etc., etc. Sempre considerei o laboratorista um co-autor, ou pelo menos, um grande parceiro.

Portanto nesta colocação da pós-produção (hoje tudo é pós) também não vejo novidade nenhuma: do quarto escuro, para o quarto claro.  Mas estas são firulas!

expo-laberinto-de-miradas-coletivo-mondafotomexico-jpeg1

Coletivo Mondafoto – México

A questão é que estamos diante ou atravessando uma transformação na visualidade. Sempre defendi a idéia de que o digital iria transformar nossa forma de trabalhar, e mais nossa percepção, nossa forma de ver. E pelo que parece ou se lê de trabalhos acadêmicos ou se ouve em discussões de mesa de bar (em geral bem mais divertidas e eficientes) é isso que está acontecendo. Em 2004, a filósofa Dominique Baqué em seu livro “Photographie Plasticienne, l’ éxtrême contemporain”, escreveu: “… que a fotografia por ser um meio de comunicação de massa, como já havia bem definido Walter Benjamin, vai se revelar como um dos mais importantes fatores da desconstrução do mito modernista”, ou seja, da preservação da obra de arte da contaminação da indústria mediática. Numa sociedade pós-moderna onde vivemos “a reprodução da reprodução”, conforme Roland Barthes, ou do “simulacro” se preferirmos Baudrillard, me parece claro que muitos conceitos deferiam ou acabaria por ser re-definidos ou re-significados.

O fenômeno dos coletivos é, portanto conceitualmente e não na sua forma uma questão da pós-modernidade.  Por isso este evento é fundamental. O legal disso tudo é que o coletivo multimídia Garapa (que, por sinal, faz um trabalho muito bom, inteligente e com postura) estará fazendo a cobertura diária do evento. Já vale a pena ler a entrevista que fizeram com Claudi que coloca de forma muito precisa o que será discutido nestes dias.

 

31 comentários em “Encontro de coletivos

  1. Simo

    Olá!
    Que oportunidade vc lançou em seu blog. Tenho um profundo interesse no processo desses coletivos. O interessante, e acho ainda pouco discutido, é discutir o conteúdo – resultado desses processos – em seu aspecto expressivo e estético, pois fotografia é antes de mais nada a forma resultante de uma percepção.
    Por enquanto vejo muita discussão em torno da ‘moda’ de participar de um coletivo ou não. A sua colocação no mercado publicitário, arte ou o que se deseje. Sim realmente o espaço está apertado, aproximar, discutir, se desenvolver, expandir horizontes, sempre é bom e enriquecedor. No entanto, o Brasil é feito de modas. E me parece que a discussão fundamental escapa, fica para depois. Um depois que não chega pois o tempo impõe novas modas.
    Claro, muita gente individualmente ou coletivamente estão produzindo coisas incríveis, eu assim como vc que ministramos cursos sabemos disso, mas confesso que enaltecer trabalhos simplesmente porque tem posicionamentos bem embasados no marketing coletivo, cansa!
    bjs

  2. Cara Simonetta,

    que rico esse texto.

    Nos deu vontade de intenizar cada ponto levantado e torná-los em discussão. Aliás fica isso como proposta e seremos frequentes

    O da autoria é o que mais nos atrai. Penso que se desse texto surgisse uma espécie de seminário em seu blog, esse item seria o ponto chave de discussão.

    “O fenômeno dos coletivos é, portanto conceitualmente e não na sua forma uma questão da pós-modernidade. Por isso este evento é fundamental.”

    Essa afirmação ultrapassa o espaço físico da Olido e encabeça o que já é resultado nesse evento.

    Peço licença para, sendo mais uma vez surrealista no exercício das citações, destacarmos essa parte de seu texto:
    “… que a fotografia por ser um meio de comunicação de massa, como já havia bem definido Walter Benjamin, vai se revelar como um dos mais importantes fatores da desconstrução do mito modernista”

    Obrigado,

    Cia

  3. Cara Simonetta,

    Realmente um encontro de coletivos é uma fato sensacional!! Um fenômeno acontecendo em vários pontos do planeta.
    Nós, do grupo Ladrões de Alma, de Brasília, ficamos sabendo muito em cima da data, por isso não conseguimos participar.
    Este ano de 2008 estamos completando 20 anos de existência, desde 1988 na estrada entre altos e baixos, mas na próxima estaremos lá.
    Parabéns a todos que estão envolvidos neste projeto, especialmente a Claudi Carreras e Iatã Cannabrava pela curadoria.
    Segue o blog onde tem parte do portifólio e da história do grupo Ladrões de Alma.

    http://www.ladroesdealma.blogspot.com

  4. Faço coro a Cia e digo, que rico esse texto.

    Creio que o mais importante agora é fomentar esse debate, não pelo marketing – como disse o Greco – mas pela produção, aliada ao conceito de abandonar o estigma do lobo solitário fotográfico que enxerga o que ninguém mais vê.

    Em um mundo tranbordado de imagens, onde tudo se registra e pouco se vê, é necessário o diálogo entre o que se captura e o quanto essa captura é pensada, o quanto ela potencializa debates, críticas, reflexões.

    A Garapa está adquiriando o cacoete de responder em peças, não mais textualmente e assim fizemos os 10 minutos de nossa apresentação na quinta: http://www.garapa.org/coletivos/2008/12/video-coletividade/
    Uma reflexão sobre o papel da coletividade, o individualismo imposto como moeda de exclusividade, a assinatura nos coletivos e, porfim, um chico buarque – profundo e clichê, como os caminhos que a discussão quase sempre toma.

    Que siga o debate.
    Abs,

    Leo Caobelli

  5. Marcelo,
    Creio que o que incomoda a maioria dos fotógrafos é essa validação a priori do trabalho dos Coletivos, já que o termo carrega em si uma modernosidade que pra muitos é irritante; o Brasil tem leis próprias (regulamentadas há quase 1 década) sobre cooperativismo, então o hype todo sobre os coletivos soa desproporcional. Enfim, talvez esse ponto seja mais uma questão sindical/associativista, coisa de “companheiros”. Enfim 2, o Coletivo é apenas uma resposta natural ao gigantismo das corporações da comunicação, uma solução de dentro (pessoas físicas, reais) pra fora. [nada] Engraçado aliás, que uma solução falsamente do mesmo tipo é proposta pra amenizar mega-problemas de mega-indústrias (aquelas dos executivos mega-assalariados), como fundir (queria muito usar outra palavra) Fiat-Peugeot-Citroën…
    Mesmo a discussão sobre conteúdo, como você colocou, inevitavelmente esbarra na manipulação da imagem (em “doses industriais de Photoshop”, como diz um ex-amigo, portanto muito diferente do que se fazia no quatro escuro) e são mais do que firulas, tanto no conceito da ação como sua reflexão, que faz padronizar os ensaios no sentido de dar unidade e explicitar o viés autoral do trabalho. Pio, neste ponto estou me referindo especificamente à Cia… veja o outra lado da mesma moeda: desconstruir o mito modernista adotando a layer pós-moderna é a resposta? Não vale responder com outra pergunta! ah, vale sim…

    assinado: Advogado dos diabinhos —periféricos e ausentes— do evento, que tentavam assoviar e chupar cana (aquela menos doce, que não dá caldo) enquanto oficinas, interações, colaborações, trocas, doações, slideshows, projeções audiofotográficas, bate-papos e palestras proferidas, solidariedade entre si e com o sujeito fotográfico, rolavam graciosamente (e gratuitamente) no centro.

    Atualização do verbete:
    A negociação, o consenso e a concretização do meu sonho pelo Outro hoje, em reciprocidade ao mesmo processo ocorrido ontem em vice-versa em vídeo-verso, vertida em prosa de imagens neste exercício diário de humanidade que potencializa os indivíduos no contra-caminho entrópico da anulação. Coletivizar: coletar e doar (cc ou ©, o que for conveniente). A graça do doar não é dar, di grátis não tem graça.

  6. Meu caro Fernando,
    como sempre, você fala, fala, fala e não dá para entender nada do que você disse! Que tal escrever em português?
    Que confusão! Claro que existem coletivos ou cooperativas há muito tempo (muito mais do que uma década, veja o pessoal de Brasília há vinte anos). Como sempre você é de uma acidez fora do normal!
    As pessoas todas, assim como você, podem e devem defender suas opinões, mas com um pouco de calma. Acho, e eu, tenho muitas críticas a tudo, que é o momento certo de falar, discutir, mas não de ser tão mal humorado!
    Calma! este assunto ainda vai render!

  7. Fernando, concordo com a Simonetta. Muita calma nessa hora!
    Vc tem idéias interessantes mas me parece um pouco confuso, também não entendi muito bem onde quer chegar.
    Ainda não vi o link que o Leo colocou como resposta. Vou visitar e depois comento.
    Qto a resposta da Cia, com todo respeito vamos colocar alguns pontos.
    1. ‘Intenizar’ minha ignorância não permitiu saber o que significa, por isso corri para o Aurélio e lá nada encontrei. Por favor expliquem.
    2. citar sem nada dizer é fácil. E citar não tem nada a ver com uma postura sulrealista, sorry mas isso é muito pouco para poder citar o sulrealismo.
    3. Vamos discutir, coloquem suas questões. É isso que cito no primeiro comentário. Muita fumaça e pouco fogo.
    respeito muito a posição de vocês (Cia), aliás acho o movimento da Cia um dos precursores de todo esse processo, por isso parabéns. No entanto discutir é fundamental. Essa é a proposta. Querem falar de autoria, então falem não citem.

  8. Caro,

    mantemos o comentário feito ao texto de Simonetta. É rico.
    E os elogios a esse texto não precisam de mais, a não ser citá-lo.
    Como exercício surrealista sim, já que citar é inerente a esse movimento. Aliás citar assim como sobrepor.

    Respeitamos as ignorâncias principalmente quando percebemos que apesar de não saber o significado de uma palavra, você a pratica, 1., 2., 3., Simples não é? Colocar em itens.
    Se capitulássemos esse texto não teríamos enfim uma troca boa de idéias?
    Não me parece haver essa intenção.

    Que fumaça? Que fogo? Onde houve isso? Nesse caso vejo que apesar de Fernando não ter explicitado as idéais de forma vernacular, está bem mais calmo que você.

    Um tempo atrás, meu de novo caro, era proibido sermos um coletivo.
    Apesar disso não ser novo na história da humanidade, na comunidade de fotógrafos brasileiros, era proibido.
    Hoje passa a ser marketing?
    Segundo eu entendi, você afirma que a Cia é só marketing, e confessa ” que enaltecer trabalhos simplesmente porque tem posicionamentos bem embasados no marketing coletivo, cansa!”.

    Nesse caso não há discussão entre você e a Cia. Simplesmente porque você não respeita o nosso trabalho, e isso passa a ser um problema exclusivamente seu.

    Isso aliás não muda em nada nossas vidas.

    Agora se essa querida casa virtual quiser sediar, como dissemos antes uma espécie de seminário,
    como dicas bibliográficas, detalhamentos sobre a autoria na fotografia(existe?) estamos dentro.

    Para brigar não pois temos bem mais o que fazer. Mesmo que seja fazer nada.
    Seria melhor do que descermos a esse tom aqui que, prometemos, pela última vez.

    Desculpem os demais.

    Fernando, o caso de nossa pós-produção(por assim dizer) é muito legal de discutir. Pensamos muito nela. Achamos que ela demonstra coisas muito legais. Inclusive uma certa insegurança. A fotografia é centrífuga por natureza,assim achamos.
    E nossa pós as vezes prende demais as pessoas a nossa imagem. Parece uma contradição tentar reter uma pessoa a uma imagem. Até porque uma foto é um hipertexto e parte de sua leitura é nos jogar para fora, para partes que não estão ali. Ou estão mas sem serem vistas.
    Mas nosso pictorialismo é um processo legal de por na rua.
    Simples assim. Legal de mostrar.

    Mas nos parece menor elgermos esse espaço para se discutir Cia de Foto apenas. Tem mais coisas “escondidas” nesse texto do que e tão somente a Cia.

    Obrigado mais uma vez Simonetta, Dominique Baqué já está sendo lida!!

    Cia

  9. Já que o Marcelo foi no Aurelio sem sucesso , fui ao Google
    http://www.google.com/search?client=safari&rls=en-us&q=intenizar&ie=UTF-8&oe=UTF-8
    Existem apenas oito ocorrencias, seis numa lingua viking qualquer “Inte Nizar” e duas no nosso portugues uma é nessa pagina a outra acho que o cara digitou errado indenizar.
    Quero saber o significado para poder usar tambem.
    Gostei da palavra mas antes de usar preciso saber se não contraria minhas preferencias sexuais

  10. Cara Simonetta,

    deixa a gente te contar uma coisa.

    De domingo para cá a Cia de Foto foi citada cinco vezes.

    A primeira em uma aula de Alejandro Castellote. Um verdadeiro mar de informações sobre a gente na tarde de domingo. Um mestre de fato. Argumentação precisa, bem fundamentada e sobretudo criativa. Uma daquelas aulas que se confudem com entreteniemento de tão emocionante que foi. E você sabe bem o que é esse sentimento, o de se emocionar numa aula.
    Propusemos ao Centro de Cultura Espanhola que trabalhasse para que aquela aula virasse um artigo. De alguam forma isso será um patrimônio para a nossa cidade.
    Para nossa surpresa parte das colocações foram sobre a Cia. Mais precisamente sobre um trabalho que fizemos para Folha de SP na última eleição municipal.

    Na segunda, fomos convidados para darmos um workshop em Miami. A Maya Goded e a Cia de Foto estarão juntos nesse evento. Uma felicidade pois somos fans dela. Uma fotógrafa que conseguiu o desenvolvimento de suas pesquisas com bolsas como Eugene Smith e Guggenheim Museum.

    Ainda na segunda um e-mail chegou para gente com a indicação para um festival na Europa. Nós ainda não fomos selecionados, trata-se apenas de uma indicação. Sabes quem nos indicou? O Juan Fontcuberta.
    Isso é mais que um prêmio para Cia. Um prazer de vida. Nós nunca contactamos ele e no entanto tivemos essa surpresa e prazer. Aliás devo ressaltar que em se tratando de prêmios brasileiros, essa indicação para gente é bem, bem mais que uma premiação.

    Ontem, terça, a tarde fomos convidados para um festival na Inglaterra. Nossa Caixa de Sapato irá ao evento. Isso ainda com a possibilidade de darmos uma palestra na Photographers Gallery. Para Cia uma Meca. O Foam, na Holanda e essa galeria em Londres sempre foram referências para gente. Parece uma brincadeira a possibilidade de estarmos lá trocando ideías.

    Por último e na noite dessa mesma terça, uma pessoa que te chama por “Simo” disse que somos apenas fumaça. Acho isso tão sintomático. Tristemente sintomático.

    O ponto e o que queríamos deixar registrado em seu espaço é que Cia tem muito apreço por seu trabalho e dedicação a fotografia. Grande parte da gente teve aulas com você. Em algum momento esse diálogo se perdeu, o que não é um problema pois assim como você, nossa pesquisa não é pautada em coisas imediatas e é mais que óbvio e previsível que compartilharemos ideías em nossas vidas. Como já fizemos. Aliás como fazemos.

    Lamentamos muito o seu texto não ter sido um acesso mais dinâmico desse momento de trocas.
    Saiba que a Cia vai deculpá-lo, transformá-lo em estudo e de fato estudá-lo. Por equanto não fica interessante uma discussão imediata e esfumaçada em seu espaço, mas saiba que são boas, muito boas as idéias que você sugere. Passamos seu texto para João Castilho, amigo de muitas trocas. Esperamos que a Cia, João, e quem mais entrar nessa barco, como por exemplo nossos amigos do Garapa, acrescentem pontos e roubem um pouco mais a sua atenção para trocas diretas e por fim produtivas.

    Obrigado mais uma vez e perdoe-nos se a partir de agora nos omitirmos de qualquer questão posta aqui.

    Estimado abraço coletivo,

    Cia

  11. NOssa!
    Acho que se sentiram ofendidos!
    Não cito vocês como os responsáveis por muita fumaça e pouco fogo, mas se pensam assim não posso fazer nada.
    Desculpem se levaram meus comentários como ofensa. Aliás acho que até elogio o trabalho de vocês.
    Pena que usaram muito texto para rebater e atacar sem nada comentar sobre as questões levantadas.
    Continuo interessado na opinião da Cia e de todos sobre autoria e como isso se manifesta nos coletivos.

  12. Marcelo,

    Não entendo uma coisa. Você se diz muito interessado na discussão, no debate, na troca de idéias sobre o tema e suas respostas – porém não lembro de ter te visto em qualquer dia de palestra ou exibição do Encontro de Coletivos.

    Acho ótimo trazermos o debate para fora da Olido, mas também acho que um debate pressupõe interesse e até esforço. Esforço esse que era apenas o de se pegar um metrô até a estação República.

    Quanto a semântica e neologismos adoro a comunicação instantânea da web que nos faz digitar coisas novas. Há pouco conversava com o Rafa Jacinto sobre como escrevemos puta, cada vez que vamos digitar pauta… vai ver é ato falho… mas vamos regressar ao que se diz aqui debate.

    Catellote disse algo que me balançou muito. Prendemo-nos demais a discutir a cozinha e não sua culinária. O que quis dizer com isso? Que nas nossas mesquinharias, seja por inveja de sucessos, ou por temores de mercado, encaixotamos nossas críticas a se algo é ou não coletivo, se é ou não novo, se é ou não assinatura, se fere ou não os direitos de autor e pouco nos preocupamos com o prato final que vai a mesa, ou seja, a fotografia. Para Castellote, se uma foto é boa, basta.

    Mas sabe o que foi mais engraçado disso? O fato se repetiu com todos os companheiros que estavam no encontro. Fossem eles os fenomenais e atuantes do mercado de fotojornalismo tradicional como Sergi e Hector do Pandora, ou os meninos novos do Supay, ninguém entendei a tamanha polêmica sobre coletivos e assinatura no Brasil – já que eles olhavam as fotos na parede e isso bastava.

    Outra coisa curiosa aconteceu com os portugas do Kamera Photo. Os caras, figurinhas carimbadas em Perpignan, porpuseram ser uma ponte entre o festival e os coletivos que quisessem entrar no festival. Enquanto isso, aqui no mundinho SP, a gente briga, peleia, esconde contatos, trata os outros como concorrentes e quer ver todo mundo meio de plongée que é para estarmos em um pedestal sacralizado.

    Fechando sobre sua questão sobre autoria e como se manifesta em coletivos, devo ressaltar uma coisa primordial: coletivo é pluralidade. Assim sendo é impossível delimitar o coletivo fotográfico a uma coisa estanque. Não somos parecidos a não ser pelo fato de termos mais de um fotógrafo atuando em um projeto, pauta, ensaio, seja o que for. Dessa forma, seria um desmando, além de equívoco, responder por essa questão com foro de verdade absoluta, mas entendo sua pergunta, ainda mais pela circunstância (a ausência ao encontro) – então, pela Garapa digo: trabalhamos em coletivo pois pensamos as pautas juntos, pensamos a linha de trabalho, referências (fotográficas e cinematográficas). Dividimos o trabalhos comerciais por tabelas de diárias (tem sempre alguém da vez), ou alguém pede a pauta que se sente parte dela. A autoralidade se dá no âmbito interno, nessas mil conversas para decidir o que será feito e como será realizado e aqui eu volto a questão da cozinha proposta por Castellote. Em um almoço entre amigos ou família, quando todos se juntam na cozinha para fazer um prato especial e conversam sobre a receita, colocam o ingrediente especial de cada um, jogam muita conversa fora enquanto a água esquenta… precisa de um nome próprio singular assinando o prato em cima da mesa?
    A situacão pode parecer cômica ou trágica (já estraguei algumas boas receitas fazendo dessa forma), mas o prazer da comida de todos é diferente e recomendo a todos.

    Por fim, fecho com uma das coisas em coletivo que me agrada muito, o quase excesso de criticismo, já que a auto-crítica é muitas vezes falha ou capenga. Saber que para cada trabalho lançado tenho que alcançar a provação das pessoas que assinam aquilo comigo é saber que preciso desenvolver meu trabalho técnico, minha argumentação, minha fundamentação e, acima de tudo, saber repartir… bem como querem fazer os amigos do Kamera com Perpignan

  13. Leo

    Infelizmente não pude ir aos encontros pelo simples fato que estava em final de cursos e não poderia cancelar as aulas. Gostaria muito de ter ido.
    Qto a questão da digitação, entendo e a resposta seria simples. Erro de digitação. Sinceramente não havia entendido que poderia ser isso.
    Entendo o que você diz sobre a forma de trabalho que o seu coletivo atua, discutindo tudo junto e nesse sentido, o lado comercial da fotografia, enxergo os coletivos como algo realmente rico e potencialmente fortalecedor de todos os participantes, no entanto meu interesse é sobre a autoria. A questão da criação pessoal, o uso da fotografia como uma ferramenta de expressão. O uso da forma visual como argumento de construção poética. Acho o Catellote correto na afirmação dele, pois se enxergares que culinária (diga-se o conteúdo) é exatamente o meu questionamento inicial.
    Infelizmente concordo contigo quando diz que aqui em SP, as coisas não caminham do jeito que poderiam caminhar, no sentido da troca e do desenvolvimento comum. Acrescento que isto tem como característica principal a fotografia brasileira. Por isso que fiquei interessado na proposta da Simonetta (Simo) neste blog. Para poder expandir a discussão e claro porque não pude ir aos Encontros.
    Visitei o site do Garapa e vi o vídeo. Tem várias informações interessantes e parabenizo pela montagem.
    Lamento que essa sua posição em relação aos problemas de relacionamento em SP (Brasil) apareçam aqui mesmo nesta pequena discussão. Trocar não é concordar é crescer através de diferentes pontos de vista.
    Qdo temos alguém que nos questiona, isso não significa estarmos sendo agredidos.
    Vi no vídeo alguns comentários sobre a questão da assinatura. Não acho que seja uma questão de vaidade como foi colocado, apesar de concordar que isto existe, mas acho uma questão de responsabilidade de ética. No sentido de sermos responsáveis pelo que fazemos e pelas colocações, independente da forma de expressão. Claro, mais uma vez falo exclusivamente da questão da autoria no sentido da expressão, no âmbito do mercado, nada a discutir acho a posição da assinatura coletiva válida.
    ab

  14. Leo

    Reli seu comentário e antes de mais nada, não fique ofendido você também com qualquer colocação. Não é esta a intenção.
    Para completar um pouco o que Castellote afirma, não basta se uma foto é boa pois como disse uma vez Jean Luc Godard, o enquadramento é muito mais uma questão ética do que estética.
    nesse sentido não acho que basta que a fotografia seja boa. Existe muito mais a ser considerado e discutido do que isso. Aí acredito que discutirmos a culinária vale a pena.

  15. Marcelo,

    Longe de mim ficar ofendido, como você colocou (e muito bem), um debate não se faz acerca de concordâncias… como bem existe a frase “nunca fiz amigos bebendo leite”, também reverbera a máxima “nunca aprendi nada sempre concordando”.

    Há um ponto absurdamente positivo aqui, além do texto, obviamente. A discussão nos comentários é, em suma, a razão de existir de um blog. Tornar público um pensamento e, assim, abrir espaço para os diálogos mais diversos é enriquecedor. Colocar as coisas textualmente em comentários pode acabar perdendo o tom e nisso, ler-se uma ofensa.

    Não quis ofender dizendo não ter te visto por lá, mas simplesmente atentar para o fato de que essa discussão esteve lá presente e já requisitei ao Iatã que possa disponibilizar os vídeos das íntegras para que possamos montar alguma coisa com tudo isso, inclusive com a palestra do Castellote que teorizou muito do que apenas sabíamos prática.

    A foto que se coloca emoldurada, publicada, aceita por seu autor é sim, como disse Godard, uma questão ética – pois é nela que o fotógrafo encontra sua mímese (e aqui pensando em representação e não em imitação). Dessa maneira, creio, como colocamos no vídeo, a assinatura é responsabilidade, seja ela um nome próprio singular, ou coletivo.

    Mas para a Garapa, parafraseando os amigos porteños da Cooperativa Sub, não existe um dogma acerca disso. Não levantamos bandeiras, mas também não queremos ser servis aos pontos sindicais de categoria que pouco fazem pela fotografia além de cobrar mensalidades para exercer sua função. A cada projeto pensamos no que é melhor para nós, porém querendo dialogar com o todo. É isso que quero dizer quando digo que resolvem a autoria em âmbito interno, pois essa só nos cabe. Se houvesse erro nesse processo, algum dos fotógrafos se sentiria lesado, desfavorecido, mas isso não ocorre.

    Por outro lado, como trabalhamos muito com a plataforma em movimento (vídeo), torna-se impossível creditar individualmente as imagens sem comprometer a estética, então por isso buscamos préviamente um padrão ético para justificar essa ausência, assim não desagradando nem a “Castellotes”, nem “Godares”!

    E fico feliz que o tema retome o conteúdo, assim agradecendo a Simonetta por fomentar o debate.

  16. Marcelo,
    Esqueci de colocar outro ponto e, para não parecer deslocado, uso as aspas: “no entanto meu interesse é sobre a autoria. A questão da criação pessoal, o uso da fotografia como uma ferramenta de expressão. O uso da forma visual como argumento de construção poética”

    Aqui podemos ampliar e muito o debate.
    Eu sou essencialmente um fotojornalista. Despretencioso, mas fotojornalista (e que não se leia a despretensão como uma falta de pretensão, mas como um tipo dela).

    Sei que enxergo coisas diferentes e diferentemente do que outros fotógrafos. Sei que existem enquadramentos que me agradam ou desagradam pelas refeerências visuais que construi, sejam elas fotográficas ou a mania de plongées que meu avô me colocou cada vez que subia a ladeira da Major Rubens Vaz, no Rio, comigo sentado em seus ombros. Sei também que expressar isso visualmente é uma maneira de me interpretar, quase uma auto-análise, ou como você diz, construção poética.

    Por outro lado tenho o ranso da objetividade do fotojornalismo, da coisa rasa sendo profunda – por mais que queira essa objetividade de forma subjetiva ela está presente em minha formação acadêmica e profissional. Não deixo de ser dado a singularidades, a pormenores e idiossincrasias por conta disso, mas creio que essa característica é a responsável por eu, nas minhas diferenças, também encontrar olhares complementares.

    Creio que esse ponto, o da complementariedade é o mais difícil e particular de se expressar publicamente e, talvez por isso mesmo, seja ele quase um ápice de autoria, pois não consigo nem sequer descrevê-lo. Encontrei em outros dois amigos e colegas de profissão, além desse ambiente de cumplicidade, uma visão complementar – quase como se conseguíssemos equilibrar o desequilíbrio, ou mesmo desequilibrar o equilíbrio. Como percebo que isso é raro, não sustento a hipótese de que coletivos sejam modelo ou moda, nem que – estabelecendo-se um – siga-se o modelo proposto por nós.

    Em outro extremo penso e quero que a dita arte, ou poética, não esteja fora do fotojornalismo, pois senão esse último é pobre, quase cego. Mas é necessário que digamos que, para se produzir poesia é necessário tempo, seja em campo ou no pensamento. Talvez estejamos produzindo uma geração de apertadores de botão, clicadores de mouse, mas não pelo que se mostra, escreve, estuda, mas sim pela sua falta… a ausência de pensamento, crítica, referência.

    Tendo isso escrito, creio que uma mesmíssima foto pode estampar a capa da Folha de São Paulo e a coleção de autores do MAM, pois não deve haver conflito entre as linguagens e sim o questionamento de como se deselitizar o que é conhecimento.

  17. Leo

    Bom dia!
    Seus dois comentários são ricos de questões e preciso de tempo para responder. A reflexão pausada é importante. De qualquer modo alguns pontos coloco agora. Não sou fotojornalista e não tenho as características dessa profissão para pode opinar sobre isso. Sou consumidor de imagens geradas para o fotojornalismo. Nesse sentido posso dar minha opinião, claro.
    Não sei se concordo com você quando diz que o fotojornalismo ficaria pobre sem a dita poética ou arte. Acho que estamos, digo a sociedade como um todo, misturando as estações. Os universos e funções são absolutamente distintos. O jornalismo e a contrução poética. As necessidades são outras também. O envolvimento que um jornalista e um ‘autor’ tem com seus elementos de desenvolvimento ainda mais. Acho, não tenho mais certeza que o jornalismo está preocupado com a construção da informação em torno de um fato. A construção estética é importante mas vem em segundo plano. Veja bem é um achismo.
    Claro, nada impede o trânsito entre os meios, mas muito mais da personalidade, do autor. Qto a obra tenho sérias dúvidas sobre isso.
    Existem vários trabalhos que migraram de uma área para outra, mas o tempo foi necessário, o distanciamento dos fatos, a perda do valor da informação para a observação da construção poética de um trabalho, aliás mais do autor do que da obra em si. Quando visitamos uma exposição ou um livro do Koudelka (somente como exemplo Prague 68), encontramos ali imagens que exerceram sua função jornalística e depois, 40 anos, olhamos para esta obra como uma grande manifestação de autoria e construção poética. Mas principalmente porque reconhecemos o autor e sua trajetória. Impossível separar.
    Quando transformamos um trabalho atual jornalístico e o transferimos para uma Galeria, Museu ou Instituição, acho que a questão extrapola a autoria e mergulha no universo do espetáculo do mercado. A propósito de várias citações que estamos colocando em nosso batepapo segue mais uma, Truffaut chamava isso de “fascismo cosmético”.
    Voltamos assim ao posicionamento de Godard também.
    Os universos são distintos, as proposta são distintas e não é uma questão de colocarmos qualificador em um ou outro meio, mas simplesmente que eles são incongruentes no curto espaço de tempo. A sinergia de meios precisa de tempo, distanciamento, duas coisas que o mercado não deseja que exista.
    A construção poética exige um mergulho e um tempo que impede a comercialização em escala industrial. O mercado exige escala industrial. Como resolver esta dicotomia? Simplesmente transformando tudo em espetáculo e no vazio. O resultado é que chegamos no ponto em que estamos. O meio fotográfico está inserido na sociedade. Os males da sociedade são iguais aos nossos. Creio que discutir ética e estética nunca esteve tão atual como agora. Todas os extratos vão ter que discutir isso. Senão caminharemos (?!) para a bárbarie.
    Obrigado pelos seu comentários, me fizeram pensar!

  18. Cheguei no meio da conversa e não vou me estender para além de recolocar algumas questões iniciais a um (três?) dos interlocutores iniciais. Li com atenção a conversa (especialmente a parte final, em que o Marcelo e o Leo travam uma discussão de fundo que me paece verdadeiramente essencial) e já parabenizo a todos pela pegada – e à Simoneta por trazer a questão à baila.

    Mas confesso que gostaria, de fato, de saber como a Cia (ou quem está escrevendo pela Cia) pensa sobre essa questão da autoria. De fato, é impressionante como são citados e como aparecem no meio. Isso é um feito inegável, pelo menos em um aspecto do trabalho fotográfico. Soubemos pelos comentários acima como são benquistos e admirados…

    Mas como lidam com a autoria no trabalho artístico/autoral? Como é realizar um trabalho expressivo profundo sob a “forma” de um coletivo? Penso em trabalhos de caras como Robert Frank, Miguel Rio Branco, Mario Cravo, Sally Mann, Stéphane Duroy e não consigo ver trabalhos como estes sendo realizados em coletivos onde todos, a princípio pelo menos, “fotografam igualmente” ou “entregam o mesmo produto”. Entendo como os coletivos podem se mover pelo terreno da autoria no campo profissional, mas não entendo como se movem por esse mesmo terreno no campo autoral/expressivo/artístico. De onde parte “aquela questão” fundamental? Como se determina o que “sai das entranhas” do fotógrafo-artista e se transforma em material subjetivo para a realização de um trabalho expressivo profundo?

    Antes de qualquer um se ofender, quero deixar bem claro que essas são perguntas de fato; não são perguntas retóricas. Esclareço que não trabalho com fotografia e, nesse meio, me dedico exclusivamente a produzir e estudar a produção artística em fotografia. Não há, portanto, nenhuma questão corporativista aqui…

    Se acaso a Cia (ou quem escreve por ela) não se manifestar, penso que nós mesmos poderíamos continuar a discussão por aqui…

    Um abraço e admiração,

    Daniel

  19. Marcelo,
    Entendo sua posição, embora não goste muito dessa sacrilização do afazer fotográfico, quase como se incutisse ao fotógrafo o caráter de deidade visual.
    Entendo que a poética não possa existir em escala industrial, mas também não acredito na arte de excessão, nessa coisa da pompa absoluta da criação.
    Creio que são esses argumentos que fazem com que, no teatro, encene-se Nelson Rodrigues over, and over again – ou que se use nudez em qualquer coisa que quer se mostrar como essência. Chavões e clichês do “mundo da arte” que costuma ser tão massante e repetitivo como uma redação de jornal, basta uma olhada rápida nas paredes das galerias.
    E daí, depois disso tudo, a gente cai nessa frase de Daniel, a coisa das entranhas, a visceralidade como pressuposto, a arte sacrilizada e “altarizada”.
    Creio que ainda temos um longo caminho para debater autoria em coletivo, mas se quisermos ir além e de novo buscar a referência do passado, basta pensarmos na Bauhaus.

  20. Leo,
    agora tocamos – ou melhor, você tocou – num ponto bem bacana.
    Você está se referindo a Bauhaus. Gostaria muito, caso você queira, que você falasse um pouco mais sobre isso.
    Te explico: para mim, o momento que vivemos agora, e não me importa o nome que tenha, tem mais a ver com o dadaísmo do que com a bauhaus.
    Sempre considerei a fotografia um oficio (no melhor sentido da palavra) assim como o ato de escrever. Detesto genialidades, inspirações, etc.
    para mim os dadaístas – que inclusive se autodenominam engenheiros e refutavam a epígrafe de artista: “nós construímos imagens, por isso somos engenheiros” iniciaram essa dessacralização da imagem.
    Acho que esse tema da uma boa discussão. Estou querendo escrever um post para iniciá-la. o que você acha?

  21. Leo

    Bem acho que a internet tem um problema sério. A incapacidade de transmitir o real peso das palavras, pois estamos distantes da percepção visual do outro.
    Não quis colocar a questão da construção poética como um processo de sacralização. Pelo contrário, acho que a Simonetta está certa. A fotografia é um ofício no sentido de ser um eterno trabalho de desenvolvimento e aprendizado. Nisso não existe sacralização. Por isso cito tanto a questão do tempo. Mergulhar no próprio universo, construir uma compreensão de si próprio de como se enxerga o mundo e através da imagem constituir uma poética é um desafio dos mais difíceis e lentos. Detesto genialidades também e acho que a sacralização que você menciona está exatamente no lado oposto ao que você cita. A legitimação de instituições físicas e/ou jurídicas em verdadeiros ‘imperadores’ da verdade. Construindo falácias deidificadoras em torno de quem tem ainda muito que trabalhar e talvez um dia apresentar algo consistente. Nesse sentido coloco a questão da escala industrial na produção artística como perversa. O mundo da arte que vivemos realmente é pleno deste artíficio de sacralização. A sacralização é uma grande questão mesmo e não acho que esteja no fazer, no ofício mas sim nos processos de legitimação. Estes transformam qualquer coisa em obras primas e seus pseudocriadores em gênios. Muito apropriado a este processo decretar a morte do autor e deslocar esse papel aos curadores e críticos. ACho ótimo a Simo abrir espaço para isso.

  22. Queridos Simonetta e Marcelo,
    Antes de mais nada me desculpem pelo sumiço virtual. Estou em Porto Alegre (vim visitar a família) e acabo de constatar como é estranho ficar sem internet 24 horas por dia! Estou no meu momento mais dependente de conexão… mas creio que ainda não é momento de ir para uma dessas clínicas de desvirtualização que existem no Japão e Estados Unidos… ainda!

    Quanto ao ponto levantado por Simonetta, o dadaísmo como auto-percepção de construção, acho incrível! Ainda não tinha me caido essa ficha. Citei a Bauhaus por lembrar dos ideais do grupo, como a fabricação dos móveis para viabilizar os estudos de construção que tinham e o faziam em coletivo, então creio que essa idéia da comercialização de grupo para atrair visibilidade também estabelece um paralelo – porém estamos tratando aqui mais de autoralidade e ontem tive um ótimo dia relacionado ao tema.

    Almocei com Carlos Carvalho e falamos muito sobre isso. Sobre os resultados do encontro, as perspectivas que ele nos deixa para o Festfoto e como podemos trabalhar isso sem chover no molhado e – me parece – que a discussão aqui do blog é uma das mais aprofondudadas sobre o tema, tanto que fiquei citando-a diversas vezes na conversa de ontem.

    Pois bem, novas questões me surgiram sobre o próprio tema e, admito, não tenho resposta para todas! Voltando um pouco o debate para o tema inicial, me pareceu óbvio e lógico que, enquanto coletivo não estamos fazendo nada novo, isso porque o objetivo não é inovar e sim ser auto-suficiente. Embora sustentabilidade seja um grande clichê atual, me parece que o cerne do coletivo é esse, estabelecer-se como plataforma comercialmente viável para que não se dependa exclusivamente de um único cliente ou patrão, podendo publicar em diversos meios e usando de outros fotógrafos para dividir custos, conversas, frustrações e felicidades, além da verba que se acumula – até aí nada diferente de uma coperativa dos anos 70, certo?

    O que deixamos de fora nessa explanação é justamente o conceito de autoralidade e talvez eu me prolongue um pouco tentando explicá-lo, mas tentarei não ser prolixo.

    Vejam bem a Garapa. Criamos pois estávamo descontentes com a mídia impressa, ou seja, não achávamos que o que fazíamos para Folha era o fotojornalismo que queríamos e aqui cabe um adendo, nos eua eles tem um nome muito bom para o que é feito em jornal “newsphotography”, que é bem diferente de photojournalism, mas aqui damos o mesmo nome para tudo. Dentro do universo da “fotografia de informação”, o fotojornalismo documental é a meca da autoralidade, pois nele se pode trabalhar em grandes reportagens de fôlego, tendo tempo de imersão, pesquisa e deidicação longa a um tópico. O engraçado é pensar que nesse caso, no documental, mais autoral é o fotógrafo que mais perto chega de uma certa “anulação”, embora essa palavra seja muito errada e desperte interpretações mais erradas ainda. Por que usa-lá então? Simples, pois a autoralidade muitas vezes está ligada a questionar seus próprios conceitos, seu mundo, muito de ego sendo colocado em freudismo visual. Logo, em fotografia documental, esse fotógrafo camaleão, que tanto se esconde como mergulha em um assunto é quem mais acaba produzindo ensaios questionadores, e óbvio que eu nunca cairia na besteira de dizer verdadeiros, reais – mas tomemos um pouco dessa discussão também.

    Quando se trabalha com informação, pressupõe-se que não se captura o real, mas se tange o mesmo a todo momento. Logo, criamos uma representação que está calcada em todos os pressupostos que temos, sejam eles culturais, passionais, enfim tudo que constrói um ser pensante e tudo isso se alinha na hora de enquadrar, clicar, pós-produzir – porém faz-se tudo isso tentando manter uma sanidade informativa, não distorcida, o menos turva possível.

    Creio que nesse momento estabele-se uma distinção muito grande, embora totalmente questionável, entre o que se faz para uma galeria e o que se faz para uma publicação e, talvez aqui esteja a grande briga da fotografia com universo da arte. O aparato câmera fotográfica é apenas um instrumento técnico de registro, o que se faz com ele é o que legitima seu uso, mas o uso unicamente documental já basta para sua validade. Se assim não fosse, como Rosângela Rennó poderia se debruçar sobre outras imagens? Elas só ganham validade quando alguém as vê de forma diferente, ou elas sempre foram “diferentes”?

    Mas acho que estou fugindo um pouco do tema, pois o que queria era dizer que a fotografia documental, que em sua psicose busca desesperadamente uma tentativa de diálogo com o real é, dentro do jornalismo, o suprasumo da autoralidade. Que lindamente contraditório isso não?

    Mas aqui sim, para falarmos nessa autoralidade estamos falando sobre o indivíduo, pois uma mesma história não toca ninguém da mesma maneira, quem dirá então 3 fotógrafos, como somos na Garapa, cheios de vontade de encontrar a sua história dentro de uma a ser contada. Como se trabalha então a autoralidade dentro disso? Ainda não tenho uma resposta exclamativa para isso. Estamos aprendendo, seja na divisão quase espontânea de tarefas, pois temos a “vantagem” de poder escolher entre fazer áudio, vídeo ou foto e depois editar tudo junto, chegando em uma história de consenso, mas respeitando o que cada um viu lá dentro – ou seja no próprio conhecimento do que cada fotógrafo sabe registrar de melhor em uma mesma história, já que somos todos diferentes e plurais.

    Sobre a polêmica de assinatura, como disse, não temos dogmas – mas falando sobre documentarismo me lembrei de uma das figuras que mais tenho como ícone nesse campo, Joseph Koudelka. Como se sabe, ele não assinava seu nome em suas primeiras publicações pois não queria deixar Praga sem poder regressar. Era ele então o fotógrafo anônimo de Praga e aqui outra contradição dessas cheias de beleza. O cara que estava fazendo algumas das melhores imagens de Praga, repletas de autoralidade, colocando-se até como personagem nelas (veja-se a foto do relógio) era um anônimo, a antítese do crédito. Claro que o ato vinha de um fato, Koudelka não queria questionar a assinatura, ou o sindicalismo, mas queria continuar seu ensaio.

    Dentro desse prisma vejo a assinatura em coletivo também como uma fuga do formalismo. De que me adianta assinar Leo Caobelli na capa da Foha de São Paulo se aquela imagem da capa era uma foto horizontal, com 10 personagens, mas que por questão de paginação entrou em uma coluna, verticalizada e com um único personagem central? A autoralidade não está então apenas no nome próprio, mas em um debate muito maior que não pode, não quer e não deve desmerecer as conquistas de categoria tão importantes e as quais muitas pessoas se devotaram com fervor – mas deve sim passar pelo questionamento racional do dadaísmo, onde somos esses operários da imagem lidando diariamente com os limites de nossa construção.

    Desculpem-me por fazer um quase post como comentário, mas tudo estava tão fresco por aqui!

    Beijos, abraços e que 2009 venha com mais e mais discusões de qualidade como essas.

  23. Interessante sua reflexão, Leo. Ao enfrentar a questão você desmistificou o que você mesmo havia mistificado. Não há nada de “sacralidade” ou de “deidade” no que perguntei. Quando você menciona o que “toca a um fotógrafo” – e aponta para o fato de que isso não necessariamente toca outro – está falando o mesmo que eu. O que você chamou ironicamente de “essa coisa das entranhas” (no que eu escrevi) é precisamente isso.

  24. Oi Daniel.
    Então, como o Marcelo mesmo disse, estamos todos convergindo embora usemos termos distintos (o que em virtualidade não soa, por isso parece divergir ainda mais).

    Mas só queria dizer que não fui irônico ao falar de entranhas, assim como não ache que a frase usada no seu estrito: “o que sai das entranhas”se refira “precisamente” ao mesmo sentido que usei.

    Acho que entranhas pressupõe essa visceralidade, que acaba beirando a algo de natureza inata fundamental… essa coisa de teorizar demais sobre a prática e que, por isso, acaba floreando demais o que se entende de forma mais natural.

    Mas, enfim, estamos todos na mesma direção.

  25. Talvez eu vá dar algum passo para trás nessa rica discussão, mas gostaria de deixar aqui meu ponto de vista sobre tudo isso e, dentro do possível, contribuir para o desenrolar – ou fervilhar – desse debate. Penso que nossos “coletivos” não passam de agências de fotografia, que no máximo deram um passo adiante na linha evolutiva desse sistema. Aliás, sistema esse que, no fundo, serve muito bem para fazer funcionar a complexa engenhoca de controle e circulação de informação já estabelecida. Sequer a questão de co-gestão é nova como já disse Juca Martins. Semântica à parte, temos que admitir que a motivação para essas reuniões e regimes de cooperação sempre foi a sustentação de um meio de se viabilizar a produção. O que é bom, mas que normalmente está relacionado às movimentações de mercado. Se ao final dos anos de 1960, como bem disse Cildo Meirelles, as manifestações coletivas buscavam sua inserção nos cicuitos ideológicos interessadas em atingir o público, hoje a preocupação e compromisso é com o consumidor. “Hoje em dia, corre-se inclusive o risco de fazer um trabalho sabendo exatamente quem é que vai se interessar por ele”.
    Sendo assim, o que não dá é para posar de artista ou de pseudo-revolucionário pós-moderno, de vir com discurso de que se está aí para abalar as estruturas. O que se vê é uma produção coletiva nos moldes de agência, muito bem estruturada enquanto negócio, e extremamente bem sucedida em termos de marketing ao se apropriar de um conceito de coletivo que nada tem a ver com mercado, se tomarmos como exemplo ações fantásticas de gente como A Revolução Não Será Televisionada, Poro, Centro de Mídia Independente, BaseV e tantos outros. Se uma Cia de Foto, por exemplo, vier a ser acionada judicialmente por alguém que não se sentiu bem na foto, quem responde por isso? Aposto que já existe uma estrutura bem montada em torno desse tipo de questão, pois como já coloquei, esse tipo de “coletivo” é business. Daí a irem parar nas paredes de institutos e museus é outra viagem, bancada – além da qualidade dos trabalhos, é claro – por um mecanismo de legitimação ordinário e excludente, embora dignos e fiéis em suas motivações pró-mercado. E cair nas graças de figuras como Eduardo Brandão, Eder Chiodetto e Rubens Fernandes Junior é, certamente, um grande negócio. Produzir e ter seu pensamento orientado por uma curadoria, eis outro grande negócio, além de um jogo para poucos.
    Respeito muito essa capacidade de trabalho em equipe, essa disposição em refletir sobre o que se produz e descobrir e explorar caminhos compartilhados. Acredito muito nisso também, embora eu esteja mais para um velho lobo solitário. No mais, e por exemplo, como é que pode um fotógrafo – ou um coletivo deles – se colocar diante de um tema da seguinte forma: ” “Buscamos uma relação puramente estética. Não é uma abordagem social”. O tema em questão é nada mais nada menos que a ocupação do edifício Prestes Maia, usado por um batalhão de artistas como matéria-prima em suas pirações. Nos bons tempos das antigas “cooperativas”, um tema como esse seria prato cheio para algo muito além do puramente estético. Eu, em minha santa ignorância, não sou nem capaz de imaginar o tipo de discussão que se deu em torno desse material dentro do “coletivo”. Será que o tom de pele daquele povo foi decidido na pré ou pós-produção?
    Bom, me desculpem, mas para mim isso é prova provada de que os interesses passam no máximo ao largo do umbigo, e que numa sociedade como a que vivemos hoje, nada mais óbvio que um coletivo como o que se preocupa apenas com suas questões estéticas e pseudo-revolucionárias para servir como espelho da fotografia brasileira contemporânea.

  26. Marcello,

    Tem acontecido uma coisa engraçada no conceito de coletivo discutido aqui. Pelos seus comentários e análises, me parece que quando vc se refere a coletivos, com s no final e pressupondo um plural, está na verdade discorrendo sobre a Cia de Foto, inclusive citando-a com frequencia.

    A Cia é, de fato, um coletivo. No encontro fomos 11 e, como disse antes, o que tínhamos em comum era o fato de sermos uma estrutura com mais de um fotógrafo cada. Analisando de maneira macro isso é apenas uma célula de produção, cooperativismo, ajuntamento, etc… Em grau micro existirão milhares de diferenças, não apenas entre os 11 que vieram aqui – mas entre as milhares espalhadas mundo afora.

    Devo estar beirando o chato cada vez que cito a Garapa para explicar algo, mas é que só posso responder pelo lugar onde me insiro e compreendo em essência. A Garapa entro no encontro aos 48 min do segundo tempo, acabou ganhando um espaço para expor seus pensamentos já no primeiro dia e editar o trabalho final em uma madrugada! (trabalho louco, insano, mas que gostamos de abraçar). Porfim fomos chamados a ingressar no Labirinto de Miradas para sua próxima parada, Venezuela. A exposião que levaremos debaterá a habitação popular no centro de São Paulo, o que assim acabará discorrendo também sobre o Prestes Maia através de depoimentos de seus ex-moradores. Talvez você venha a gostar deste trabalho, talvez não e, no fim, essa seria mais uma declaração de pluralidade.

    Para finalizar, quanto a Garapa, a única regra de produção é a de que façamos o que julgamos bom e melhor dentro do nosso crivo e não pensando em que prateleira aquilo vai estar, bem longe – então – da busca pela aceitação.

  27. Leo, talvez seja mesmo um erro ficar batendo na mesma tecla da Cia toda vez que se fala em “coletivos”. Você está mais que certo.
    O que me chama mesmo a atenção é essa onda toda criada em torno de uma nomenclatura que na verdade podemos dizer que – usando um termo atual – é uma espécie de reciclagem da forma de atuar de tantas organizações de outros tempos, desde a Unilabor de Geraldo de Barros (talvez já inspirada nos processos da Bauhaus), até a experiência com as agências independentes nos anos de 1980 (inspiradas, sem dúvidida, nos modelos europeus como a Magnum).
    Talvez a grande diferença hoje seja o poder das mídias digitais de potencializar a exposição, a circulação e o consumo de tudo o que se produz. Então, corremos o risco – e que assim seja! – de já não sabermos se estamos nos informando ou apenas consumindo conceitos. Longe de querer defender qualquer informação isenta ou imparcial, mas devo confessar que é muito chato ver tanto confete em torno de produtos bem embalados. E não podemos negar: essa história de “coletivos”, blogueiros, multimídias e coisas do gênero estão no topo das mentes consumistas e “formadoras de opinião”. Engraçado que estou cá com meus botões, lendo a biografia recém lançada aqui no Brasil “Cartier-Bresson: O Olhar do Século”, e eis que surge um conselho de Robert Capa a Bresson, ao final dos anos de 1940. Um mestre falando ao outro: “Desconfie dos rótulos. Eles tranquilizam, mas as pessoas se aferram a eles e depois você não conseguirá mais se livrar, Vão pôr em você o rótulo de pequeno fotógrafo surrealista…Você estará perdido, se tornará preciosista e maneirista…”, e por aí vai. Bom, sessenta anos depois essa frase-conselho ainda me faz pensar.
    Produzir áudio-visuais, plastificar nossas representações da realidade a la pictorialismo ou fazer valer à enésima potência o que Benjamin já dizia há setenta anos, mas com uma roupagem e acessórios pós-modernos, talvez sejam a demanda do momento. Quem sabe o que os curadores ou editores vão querer para depois de amanhã? Enquanto isso, acho saudável irmos todos em busca do nosso lugar ao sol, com muita honestidade e humildade acima de tudo.
    Uma coisa é certa e vai por um caminho sem volta: o fotojornalismo é outro já há um bom tempo. O velho discurso de testemunha ocular da história já caiu por terra e toda essa efervescência em torno das novas mídias já exige um profissional muitíssimo mais qualificado. E como para mim essa história de “coletivos” é mesmo uma questão de mercado, que sirva para elevar o nível de todo o processo produtivo, principalmente no que se refere à valorização do ser humano. Que ele não se submeta de uma vez por todas aos caprichos da máquina e suas engrenagens…ou pixels!

  28. Alô todo mundo.
    Viiixi….mais de meio metro de discussão!
    Ando tão envolvido com o FestfotoPoA que tenho ficado à margem de coisas interessantes. E confesso que estou meio envergonhado de constatar que o Leo citou nossa conversa e só agora estou vendo esse debate. Pode ter parecido que não dei bola. Mas sinceramente só agora vi que está rolando.
    Se permitem, queria colocar 3 questões:
    1)A primeira e básica para mim é que sou fotojornalista e não artista. Se me esmero no enquadramento, na diferenciação dos planos e na busca uma luz especial, não é por preocupação estética, mas sim porque não quero que a informação contida ali se perca. Tampouco quero que a minha fotografia perca sua vocação de representação da realidade.
    2) Não vejo sentido mais em discutir autoralidade. Cada um assine como quiser. Acho que é uma questão de Auto-respeito ou auto-desrespeito. Todos os instrumentos de defesa do direito autoral estão aí, quem quiser que use. Se existem fotógrafos que fazem fotos de divulgação e aceitam que o crédito é Foto de divulgação, o problema é deles.
    3) Mas acho que existe uma pequena confusão entre a autoralidade de uma foto publicada (o crédito em si e todas as suas consequências) com a autoria de uma foto captada. Nesse caso, para exercer a prática de negar a existência de um autor em uma fotografia é preciso antes, demarcar territórios, a começar pelo próprio território da fotografia e acho que a fotografia não deve expulsar a fotografia do território da fotografia. Sim, existe um território próprio da fotografia por mais que os artistas fiquem zangados com isso. E a negação do indivíduo/autor, embora tenha um discurso estético, está mais ligado a uma demanda de mercado do que a discussões sobre as possibilidades da fotografia no campo da arte.
    Mas voltemos ao território da fotografia de informação. Aqui não tem espaço para experimentos. Informação é poder. E poder é disputa de projeto. Perguntem à família Roberto Marinho ou ao Silvio Santos. Não é uma questão de gostar ou não gostar. É assim. Não é uma “questão estética”, mas sim a estética como um instrumento utilizado pelo poder e é preciso ter cuidado e ser responsável. E nesse caso existem duas questões que estão abrindo caminho para lugares que considero perigosos. O discurso que nega o “autor” e se apresenta como algo que abre possibilidades de expressão e pretende desconstruir a imagem pós-moderna (como algo em si mesma) e sepultar o documental como linguagem legítima, na verdade abre um enorme caminho que vai ao encontro dos desejos das grandes corporações. Negar o indivíduo é o sonho máximo de toda corporação. É o primeiro passo importante para concretizar a derrubada da última barreira a qual o capital ainda não encontrou instrumentos de confronto: a barreira cultural. É a base cultural de uma família, de uma rua, de um bairro, de uma cidade, de um estado, de uma nação, de uma tribo, de povos tradicionais, que ainda impede que o capital decida definitivamente o que e como seremos.O capital consegue perpetrar um grande estrago mas não consegue derrotar, aniquilar. E uma base cultural se expressa através dos indivíduos. Aliar esse discurso de negação do indivíduo/autor a uma estética claramente comprometida com a linha de produção implantada pelas novas tecnologias pode levar a situações que devem ser discutidas com cuidado. Quero enfatizar: quando se trata de publicidade ou criação artística aguardemos e fiquemos atentos. É esse o papel da publicidade, trabalhar no plano da fantasia e vender a idéia de que ela é possível para todos. Só que, aos poucos, vamos nos acostumando com a idéia de que tudo à nossa volta é fantasia. Desculpem mas miséria é miséria. O cara feliz da vida que corre pelas ruas só porque tem um celular de tal companhia é um sujeito pago para ser feliz durante os 15 segundos da propaganda. E existe uma tecnologia incrível para tornar essa alegria aguda. Que importa que a cena pareça idiota? – Um bando de pessoas de repente começa a dançar e elas se tornam felizes de repente por possuírem um celular de tal marca – sabemos que é fantasia, mentira. Todos ali foram pagos para serem felizes. Mas se você for na periferia de qualquer grande cidade brasileira, não vai encontrar ninguém sendo pago para representar a miséria. Quando essa linha de produção pós-foto tenta tirar da fotografia o caráter de representação da realidade – e isso tem uma intenção – então entramos em um campo minado onde é preciso ter muito cuidado. Não dá para criticar o Salgado e dizer que ele estetiza a miséria (discordo)e usar do mesmo artifício para “desconstruir a imagem pós-moderna e o mito do instante único e deslegitimar o documental”. A conversa é muito mais ampla que isso.
    Trabalhar com “fotografia de informação”, requer além de domínio técnico, boa base de informação e algum talento e muita sorte, um compromisso com o que você está fotografando. É preciso ser responsável com o que se está “trazendo a um público maior”. Você decide se assume o compromisso da empresa onde trabalha, se assume um compromisso pessoal ou um compromisso resultante da sua relação com o fotografado. Para mim o que define um trabalho autoral não são as preocupações estéticas de um autor mas também as questões políticas evidenciadas no seu trabalho através dos instrumentos de construção de uma imagem.
    As contradições do capitalismo não acabaram, o mundo apenas mudou de matriz tecnológica e toda mudança de matriz é promovida pelo agente básico do capital: o capitalista. Sim, aquela chatice da luta de classes existe mesmo. Você pode não querer participar disso, é um direito seu, mas ela existe. O que isso tem a ver com fotografia? Tudo. A nova matriz tecnológica introduziu a fotografia digital. E se antes, na fotografia analógica – havia (como há) como diz o fotógrafo gaúcho Luiz Carlos Felizardo uma sintaxe do aparato ótico/mecânico da fotografia, existe hoje uma sintaxe que define a linha de produção pós-foto no mundo digital. Não foi incapacidade técnica que fez a indústria digital lançar o JPEG antes do Raw. Era necessário encontrar outra fórmula parecida com o “Aperte o botamos que nós fazemos o resto” da Kodak quando do lançamento das primeiras câmaras fotográficas.
    Essa sintaxe está sendo usada para tentar tirar da fotografia a sua vocação de representação da realidade. Alguns fazem isso conscientemente, outros estão embarcando na onda sem pensar nas conseqüências. No campo da expressão artística, nada contra e existem resultados realmente interessantes. Mas no campo da fotografia de informação, confesso que tenho dificuldade em aceitar – não a foto, que depois de lida é inevitável (e aí reside todo seu perigo) – mas a postura do seu autor.
    Duas observações finais.
    Acredito que não seja preciso discutir a questão da contradição entre objetividade jornalística (discutível) e a subjetividade da fotografia e suas conseqüências na fotografia de informação. A foto de Luiz Vasconcelos – que acabou de ganhar o World Press – é um recorte da realidade. É a subjetividade dele. Mas alguém duvida que aquela mulher está sendo vítima de um despejo e violentamente? (nesse caso em todos os sentidos: despejada de sua dignidade, da sua maternidade, da sua “casa”, etc.)?
    Pessoalmente o que mais me atraiu, desde o início, na aparição da era digital foi a possibilidade de independência prática para o fotojornalista independente. Nesse aspecto, me aproximo muito do Garapa. Estão fazendo disparado o melhor aproveitamento do instrumento, aliando um belo trabalho fotográfico, qualidade na veiculação e compromisso com a vida.
    Por fim. Devo informar que todas essas questões serão debatidas no próximo FestFotoPoA (de 20 a 26 de abril de 2009) num seminário chamado “Fisiologia da Fotografia de informação”. Onde estarão presentes nomes como Joaquim Marçal, J.R.Ripper, Nair Benedito, Evandro Teixeira, Custódio Coimbra, Pedro Motta, Pedro Davi, João Castilho, Iatã Cannabrava, Rubens Fernandes Junior, O coletivo Garapa e João Wainer. Pelo menos por enquanto, é isso. Abraço em todos.Carlos Carvalho

Deixe um comentário