Minha entrevista com Robert Polidori, hoje no Estadão

O que vem depois das tragédias

Robert Polidori, com mostra em São Paulo, fala da opção por retratar “as marcas da vontade humana”

 Simonetta Persichetti, especial para O Estado

 

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São imagens impactantes as 39 fotografias de Robert Polidori, que o Instituto Moreira Salles e o Museu da Casa Brasileira vão apresentar agora em São Paulo. Imagens que nossos olhos se desacostumaram a ver, numa sociedade contemporânea em que a estética do entretenimento está cada vez mais em moda e o que mais interessa é o sensacionalismo imagético e barulhento. Não é isso que vemos nas fotografias realizadas por Polidori, que até 2007 colaborava sistematicamente com a revista New Yorker. De acordo com uma linguagem em que o ato fotográfico é também sujeito e tema e criação imagética são uma coisa só, ele nos apresenta grandes espaços vazios, mas lotados de significados. Nada é demais, tudo está milimetricamente ajustado, composto.

Fotógrafo nascido no Canadá, desde criança mora e trabalha nos Estados Unidos. Ele atua com câmeras de grande formato – o que permite uma riqueza de detalhes e uma alta definição imagética – e registra a presença pela ausência. São as marcas deixadas pelo homem nas cidades depois que tragédias, catástrofes naturais ou sociais as atacaram.Sua temática é a cena urbana, ensaios realizados ao longo de 20 anos, como as fotografias feitas em Pripyat e Chernobyl, 15 anos após o acidente nuclear em 1986, a cidade de Havana, ou New Orleans depois da passagem do furacão Katrina em 2006. Apartamentos em Nova York, invadido por vândalos ou a construção comercial de Alexandria (Egito), Amã (Jordânia) e Varanasi (Índia). Em alguns momentos suas composições nos lembram cenas de cinema – não é à toa, visto que nos anos 70, em Nova York, trabalhou como assistente de direção em filmes experimentais, até passar a se dedicar inteiramente à fotografia a partir de 1979. Mas o que se destaca em suas imagens é a estética em aparente confronto com o que fotografa. Do Canadá, ele respondeu ao Estado.

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Embora não sendo jornalista, seus temas são jornalísticos. Ao mesmo tempo, o sr. não fotografava o fato, mas fotografa o ‘depois’. Como se deu essa opção?É porque meu interesse está voltado mais para a história e a passagem do tempo. Me interesso menos pelos fatos em si e mais pelas consequências dos fatos para a história, para o tempo.

Uma das características das suas imagens é que as pessoas quase não aparecem nas suas fotografias.Por quê?Acredito que as fotografias são melhores quando fotografamos o que não se move. O cinema já é bem forte em representar o que se mexe. Eu gosto de fotografar as marcas deixadas pela vontade dos homens ou as suas consequências. 

Por que optar por câmeras de grande formato. Uma decisão puramente estética?Trabalhar com este tipo de câmera ou formato é crucial para meu trabalho, na medida em que acredito que o tempo necessário para trabalhar com este tipo de equipamento leva a uma imagem mais precisa, e, portanto, o significado da fotografia é mais profundo, os detalhes ficam mais evidentes o que traz uma melhor fotografia.

A estética das suas fotografias é impressionante e fascinante, ao mesmo tempo os assuntos retratados são tristes e violentos. Fale sobre esta contradição: estética X conteúdo.Sou frequentemente criticado nos EUA por fazer imagens que são “demasiadamente bonitas” (ou estéticas) em contradição à violência ou pathos que costumo registrar. Sempre respondo: “Se fizer uma fotografia feia, você vai olhá-la por mais tempo?” Acredito que o paradoxo apenas aumenta a eficiência e o poder estético de uma imagem. Gosto de fotografar temas que estão de alguma forma ligados a eventos ou a lugares históricos a fim de mexer com as mentes das pessoas para que elas prestem atenção. As associações que elas vão fazer com seu conhecimento pré-existente podem ser negadas ou confirmadas pelo conteúdo das minhas fotografias. Tento fotografar da maneira mais “clássica” possível de forma a não desviar a atenção do espectador para fenômenos externos (manipulações estéticas artificiais). O que desejo é que o espectador fique com a sensação de que a realidade é realmente mais estranha do que qualquer ficção imaginada.

 Mas o sr. usa photoshop. Não seria uma estética artificial?Sim, em todas as imagens desta exposição utilizei o photoshop, mas fotografo analogicamente a cena original e depois escaneio cada imagem para digitalizá-la. O photoshop é usado para aproximar a cor de cada imagem àquilo que eu vi no momento em que estava fotografando.

 Em uma sociedade em que a maior parte das imagens realizadas está ligada a uma estética publicitária, como sair de uma estética do entretenimento?Não assistindo televisão. Ou estando ciente de que o que é visto na televisão faz mal à sua saúde. Isso é o que ex-fumantes fazem para evitar voltar ao vício.

 No início dos anos 70, o sr. trabalhou com cinema experimental. Traz ainda alguma influência desse aprendizado na suas fotografias?Sim, eu fui muito influenciado pelo trabalho de Michael Snow e também de outros cineastas estruturalistas.

 Uma pergunta ampla: o que é a sua fotografia?Eu tento fotografar lugares que tenham importância na memória histórica. Procuro fazer imagens emblemáticas do que isso significa. Tento estetizar e transformá-la numa imagem “artística”. Fotografo, portanto, o hábitat humano.

 Como vê a entrada cada vez maior das fotografias dentro das galerias de arte? Essas questões fazem sentido para o senhor?Sim, para mim é importante, pois eu vivo da venda das minhas fotografias, o que me permite realizar outros projetos. É um prazer ver cópias fotográficas bem produzidas em exposições, porque assim podemos ver a imagem em sua magnitude. Porém, acho mais conveniente ver imagens em livros do que ir às exposições, já que podemos vê-las (em tamanho menor) sempre que quisermos.

 O que é uma imagem contemporânea?De forma geral, para mim a “fotografia contemporânea” é um ícone em que diferentes verdades simultâneas coexistem, vivem ao mesmo tempo. É isso que a diferencia das outras fotografias, como as “ilustrativas” ou as “documentais”.

 No que o sr. está trabalhando atualmente?Estou começando a promover meu livro Versailles, um trabalho em três volumes que levei 26 anos para realizar. Também estou fotografando cidades que cresceram sem qualquer plano urbano predeterminado, como a famosa favela da Rocinha no Rio de Janeiro ou os acampamentos de Amã na Jordânia.

Já havia escrito sobre o Polidori aqui, depois de ter visto sua exposição no Rio em julho deste ano.

 

16 comentários em “Minha entrevista com Robert Polidori, hoje no Estadão

  1. Simonetta,

    Parabéns pela entrevista. Aliás, o Tramafotográfica está cada dia melhor.
    A discussão é antiga e datada, mas quero pontuar com uma resposta pinçada da entrevista:
    “O photoshop é usado para aproximar a cor de cada imagem àquilo que eu vi no momento em que estava fotografando.”
    Nada que não se fizesse desde que existe fotografia; tentar transpor uma idéia ou o que foi “visto” (já que ninguém enxerga igual a outrem) para a bidimensional imagem .
    De resto, as fotos do Polidori são também excelentes.

    Salut,
    Clicio

  2. Adoro quando alguém assume suas crenças, e acredita em algo que não pode ser “provado”, mas leva adiante como a SUA verdade, sem querer impor um modelo. (ainda nos presenteia com imagens tão belas).

    Como nestas frases de Polidori:

    “Acredito que as fotografias são melhores quando fotografamos o que não se move.”

    “…acredito que o tempo necessário para trabalhar com este tipo de equipamento leva a uma imagem mais precisa, e, portanto, o significado da fotografia é mais profundo, os detalhes ficam mais evidentes o que traz uma melhor fotografia.”

    “De forma geral, para mim a “fotografia contemporânea” é um ícone em que diferentes verdades simultâneas coexistem, vivem ao mesmo tempo. É isso que a diferencia das outras fotografias, como as “ilustrativas” ou as “documentais”.

    interessante o tema de Polidori, e eu adoro!

    Eu só não entendi muito bem o termo “estética artificial”, relacionado com o uso ou não do Photoshop. Fiquei curioso. Aceito indicação de boas leituras… ; )

    Adorei a entrevista.

    Valeu!

  3. Gostei da elegância como ele usa o photoshop sem a intenção de borrar seu documento visual com camadas desnecessária de defeitos especiais. Minha observação está estribada no que tenho visto: fotografias de pessoas negras com tons rosados, rosados pálidos; verdes pálidos, etc. Para um trabalho dessa natureza, considero inadmissível a aplicação de cores que fogem à realidade registrada. “Ah, mas é linguagem…” É? Fico com a elegância do trabalho do entrevistado.

  4. Belíssimo trabalho do Polidori e uma ótima entrevista !!

    Acredito que este seja um bom exemplo de que o problema não é o uso, ou não, do PS. Mas sim, para quê se está usando, qual a intenção por trás do uso desta ou daquela estética.
    Quando estética e linguagem são utilizados para transmitir um conteúdo e não como um fim em si, o resultado fica acima dos modismos vigentes.

    Bjs

  5. Eu, um pessimista, muito afeito ao clichê de que “tudo já foi feito em fotografia”, mais ainda ao, com seu apoio, Simonetta, ter aberto os olhos para a história dessa técnica-arte, renovei esperanças com o trabalho de Polidori: não são fotos clássicas de ruinas, não é fotojornalismo, nem denúnica; não é documental, nem retrato (ainda que o humano esteja lá: “a presença pela ausência”); tampouco são fotos periciais. Mas tem partes de tudo isso, “diferentes verdades simultâneas”. É novo, parece.
    Grato pela descoberta!
    Elias Ramos

  6. “Acredito que este seja um bom exemplo de que o problema não é o uso, ou não, do PS.”

    Caríssima Silvia, esse ponto G da questão. Ele usou para manter a integridade daquilo que ele viu e enviou prá chapa quando acionou o obturador. O problema é quando o photoshop vira sustentáculo para o cliqueiro fazer artistada e depois dizer que aquele trabalho é arte, quando todos sabem, inclusive o cliqueiro, que tudo não passa de um verdadeiro desastre. Bem, como tem gente que cura essas coisas…

  7. .Simonetta,
    obrigado por mais esta entrevista.
    Cada um com seu olhar sobre a harmonia do mundo caótico em que viemos. Esta diversidade autentica reafirma a fotografia como suporte do olhar sincero e determinante de alguns fotógrafos que fazem a diferença com seu trabalho seja lá qual for o tema. É o que vemos e sentimos nas fotografias e na fala do Robert Polidori.
    Photoshop – A utilização fica a critério do fotografo

  8. Caro Adenor, “a utilização do photoshop fica a critério do fotógrafo.” No caso do entrevistado ele se preocupa em manter a integrigade do seu trabalho não lambuzando-o com a ferramenta que para muitos passou a ser usada para transformar uma criação pífia, num desastre maior, oportunismo que condeno, radicalmente.

  9. É isso aí Adenor! Está claro que a opção é de cada um. Por exemplo: gosto do trabalho do Clicio poque ele usa com critério, com elegância.

    Mas quado a coisa descamba para o fotojornalismo e vejo a pastelança, naõ engulo. Lembremo-nos dos prêmios que fotojornalista norte americanos perderam por manipularem as fotografias com montagens. Isso é uma outra faceta.

    Por isso, gostei da sobriedade da chapa escaneada do entrevistado. E que bela entrevista. Muito 10!

    Por favor, dê um abraço na medida na minha Bahia.

  10. Sou estudante de artes plásticas e estou realizando uma pesquisa sobre o trabalho de Robert Polidori como parte do meu trabalho de graduação e sua entrevista foi de grande ajuda!

    Procuro na internet fotos da installation view das exposição dele, gostaria de ver a proporção das imagens quando colocadas na parede,escala em relação ao observador.Você por um acaso teria esse tipo de material para me recomendar?

    Obrigada

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