Todo mundo fotografa. E daí?

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Virou lugar comum. Cada vez que entrevisto um fotógrafo, estou em sala de aula ou mesmo numa conversa descontraída em um bar, alguém empre acaba citando a famosa frase: “Também, hoje todo mundo fotografa”. Nunca concordei com esta frase. Se pensarmos bem, e basta também olhar a tirinha abaixo, o homem desde que o conhecemos como tal deixou marcas de sua passagem pela terra: traços, desenhos, pinturas, gravuras, quadros, fotografias, enfim imagens das mais variadas formas. E guardadas as devidas proporções de tempo e população, sempre fomos invadidos por imagens. Então o que está acontecendo agora? Talvez uma maior facilidade de produzir e enviar imagens. Na mesma proporção em que as pessoas as apagam. Até porque se alguém não quiser tirar uma foto não adianta o celular ter câmara, andar com a digital na bolsa, etc. A camara digital só veio facilitar a vida de quem já gostava de fotografar. Ok, concordo também incentivou. Ma repito e daí? Eu, particularmente acho muito bom que todo mundo esteja fotografando. Talvez seja uma maneira de nos alfabetizarmos visualmente, de passarmos a discutir a produção de imagens e de chamar cada vez mais pessoas para entender e discutir a imagem. Às vezes tenho a impressão – e seria rídiculo – que os escritores começassem a falar: “não escrevo mais já que agora todo mudo é alfabetizado e escreve!”.  Então vamos procurar dar um sentido para esta discussão. O fato de mais e mais pessoas produzirem registros não faz delas fotógrafas, assim como o fato de alfabetizar pessoas não cria necessariamente Machados de Assis. Mas sem dúvida para ambos os casos é a porta de entrada. Que bom se todos nós pudessmos fotografar, escrever, tocar um instrumento e ter uma educação para compreender pintura, música, literatura e fotografia. O que não pode acontecer é que só porque fotografou pode expor; assim como não é só porque escreveu pode publicar (embora sejam inúmeros os casos de péssimos autores milionários e de péssimos fotógrafos que invadem as galerias do mundo todo. Mas esta e uma outra história). Parece que o fotógrafo hungaro Moholy-Nagy chegou a afirmar (e sua frase foi reproduzida no texto “Pequena História da Fotografia” de Walter Benjamin, escrita em 1931) que “o analfabeto do futuro não seria quem não soubesse ler ou escrever, mas quem não soubesse decifrar imagens”. Portanto, ao invés de reclamar, não seria o caso de aproveitarmos este momento em que as imagens proliferam (embora a maioria não seja vista por ninguém) e discutir o papel da imagem na sociedade. Será que não é o momento de nos aprofundarmos sobre este fenônemos assim como outros teóricos, curiosos, metidos e menos fizeram quando a fotografia foi inventada? Será que vamos sair novamente às ruas (eu não com certeza) como o pintor Paul Delaroche que no século XIX decretou o fim da pintura, para dizer que a fotografia está morta?

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Vamos parar com esta conversa. Todo mundo fotografa, sim! Inclusive eu. E daí?

15 comentários em “Todo mundo fotografa. E daí?

  1. UI PROFESSORA QUE TAL?
    EU LI QUE ESTA DANDO AULA NO MASP,
    ACOMPANHO A VOCÊ UM POUCO DE LONGE JÁ QUE ALI AS AULAS SÃO PAGAS; MAIS, GOSTARIA MUITO PARTICIPAR.
    POR ISSO LEIO BASTANTE O SEU BLOG.
    EU ACHO QUE FOTOGRAFAR TODO MUNDO FAZ HOJE, POR CAUSA DO FÁCIL ACESSO QUE TEMOS À TECNOLOGIA.
    E EU VEJO UM POUCO A QUESTÃO DE CULTURAS.
    O BRASIL É UM PAIS DESINHIBIDO, E VÊM CONFIANTE. AS PESSOAS, NÃO TEM SENTIDO DE AUTO CRITICA.
    O VEJO ISSO COM MEU PAÍS, O SENTIDO DE AUTOCENSURA SE AGUDIZA NO MOMENTO QUE VOCÊ VAI FAZER O CLICK .
    PENSAMOS O QUE VAI FALAR OS DEMAIS A RESPEITO DESSA FOTO QUE TIREI. FEIA DEMAIS, MAL ENFOCADA, MAL TIRADA
    OBVIA DEMAIS, ETC.
    SE PERDER ESSE MEDO QUIZAS TENGAMOS MAIS MATERIAL
    HUMANO PARA PODER DISCUTIR DESSE TRABALHO.
    E TIRAR BONS TALENTOS. AFINANDO NOSSOS SENTIDOS.
    PRIMEIRO NA QUANTIDADE E DEPOIS ESCOLHER NA QUALIDADE.

    ABRAÇOS PARA VOCÊ

  2. As pessoas provavelmente fotografam mais hoje do que fotografavam há alguns anos. Mas isso não quer dizer que todo mundo já não fotografava antes. O que ocorre é que hoje os meios de comunicação permitem um ritmo muito maior de veiculação de imagens.

    Essa reação à disseminação da fotografia digital, tida como banalização, ocorre sempre que algo que estava nas mãos de poucas pessoas passa a se popularizar. De forma geral, esse tipo de afirmação parece apenas ser um ressentimento de quem vê que aquilo que era mais exclusivo já não é mais assim.

    E, de fato, isso desvia atenção das questões realmente importantes, como as levantadas no fim do texto. Escrevemos e lemos menos, fotografamos mais. A sociedade é cada vez mais imagética. “Farenheit 451” e “1984” parecem assombrosamente familiares. No entanto, o problema da leitura persiste, pois não há, em geral, uma formação que alfabetize visualmente. Compreendemos as imagens ou ficamos à mercê delas?

  3. Nesse exato momento em que acabo de ler esse texto, teclo com um amigo (nao fotógrafo) que está passando as férias em Nova York ( que por sinal é a primeira viagem internacional dele). Segue um trecho da conversa:

    Amigo: tirei 103 fotos hoje…

    Eu: opa! eheheh
    Vc pensa em revelar as fotos? *(obs: eu disse revelar pois se eu falo “imprimir” ele vai achar que é pra imprimir na casa dele 🙂 )

    Amigo: não…é mta coisa…to com preguiça de mexer.

    Eu: mas vc pode escolher pra revelar só as que quiser!

    Amigo: pode ser.

    ***

    Ou seja, as memórias e lembranças da primeira viagem internacional de meu amigo correm o risco de nao chegarem ao papel…

  4. ‘Às vezes tenho a impressão – e seria rídiculo – que os escritores começassem a falar: “não escrevo mais já que agora todo mudo é alfabetizado e escreve!”. Então vamos procurar dar um sentido para esta discussão. O fato de mais e mais pessoas produzirem registros não faz delas fotógrafas, assim como o fato de alfabetizar pessoas não cria necessariamente Machados de Assis.’
    Perfeito isso,nunca li algo tão ‘simples e direto’ sobre esse tema.

    Acho muito interessante que mais pessoas tenha acesso a fotografia,não só no ato de fotografar como também de ver fotografia.

    Mas com a era digital o que aumentou mesmo foi o número de pessoas ‘tirando fotos’ fotografando são poucas.
    Acho muito interessante também,alfabetizar a leitura da fotografia e discutir o papel da imagem na sociedade.

    Uma coisa que também me incomoda muito na era digital e as pessoas imprimirem menos suas imagens.
    Sinto falta da fotografia no papel.

    Parabéns pelo texto.

  5. para mim, a grande questão é, o que fazer com tantas imagens? pra onde vão, qual suas intensões, onde e como guardar e acumular, o que fazer com elas? cada vez mais há um acúmulo gigantesco de imagens e informações…
    eu digo que fico perdida com tudo isso, me dá até um certo medo…. não sei o que fazer ao certo com as minhas imagens… só sei que vão se empilhando…
    O digital permite uma coisa muito positiva que é o treinamento imediato da fotografia, vc faz e refaz até achar o seu olhar, mas ao mesmo tempo é uma faca de dois gumes… onde vamos parar?!
    bjos

  6. Simo, lendo seu excelente texto, lembrei-me de uma discussão, que rolou outro dia no nosso grupo (O Paspatu), sobre a utilização do Photoshop, e outros softwares de tratamento de imagem, e sua influência sobre a forma como muitas pessoas hoje (opinião de alguns) parecem estar dando pouca atenção para a momento do clique, deixando para “arrumar” depois no computador. Enfim, penso que o desenvolvimento tecnológico vai implicando numa transformação das práticas (e vice-versa). Refletir sobre os caminhos que estas transformações vão criando é importante para que a gente possa fazer escolhas. Certamente é importante discutirmos o papel da imagem e também a sua produção e veiculação.
    bjs
    Helê

  7. Simonetta, muito legal esse teu texto, vem bem ao encontro de algumas coisas que ando pensando. Outro dia mesmo eu estava conversando com alunos na primeira aula do semestre, propondo uma concepção da fotografia como linguagem, e exemplificando possibilidades de uso mais simples, às vezes pobres, ou mais sofisticadas. Mas também me voltou a ficha de que tão importante, ou mais, que o domínio da linguagem é ter algo relevante a dizer pra alguém. E mesmo assim há vários níveis: pra acessar memórias pessoais, talvez as fotinhos mais simples sejam eficazes, não precisamos mais que isso; pra propor debates políticos, sociais a um público mais amplo o buraco é mais embaixo, mais do que a fotografia é preciso conhecer melhor o que se fotografa, tem que ler, ir a campo, debater; pra fazer poesia o campo de conhecimento é ainda outro pro qual não me vem uma definição precisa. Ok, qualquer um fotografa. Mas o quê? Pra quem? Com que intenção? A adequação entre subjetividade do autor, apropriação da linguagem, desejo comunicativo, possibilidades midiáticas, leitores possíveis etc. constitui uma equação cheia de variáveis, bem mais complexa que um lugar comum cada vez mais difundido.
    Abração, Fernando.

  8. Qual o problema? O lance é fotografar, e muiiiiito! Um dia desses acordei devagar vi uma luz alaranjada – igual aquela que Storaro faz para seus filmes, só que desta vez quem armou spot para mim foi o criador das criaturas – entrar pela fresta da janela e iluminar um quadro que minha filha pintou com guache. Num salto, já estava com a camera na mão e click! Botei minha companheira na bolsa e fui dormir, pois havia pego no sono por voltas das três da matina. Fotografar é gozar, é viver. Vamos amar a vida fotografando.

  9. Eu vejo que a enxurrada de imagens que hoje em dia temos acesso, principalmente pelo advento da imagem digital e pelainternet, é um belo puxão de orelhas nos fotográfos que antes se contentavam com uma foto tecnicamente bem resolvida… hoje com o digital, como já escreveram logo acima, você consegue ir resolvendo a sua foto até ela sair, em termos de luz, enquadramento, etc, até ela sair do jeito que você quer… e isso deve servir como incentivo para que busquemos mais com nosso olhar, explorando mais nosso potencial, buscando nova formas de criar imagens e quebrando antigos padrões e clichês…

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